Motoqueiro virtual
É difícil negar o sincero interesse e apreço de Mark Steven Johnson pelo universo
dos quadrinhos, que vai além do fato de ter antes deste feito a adaptação de Demolidor,
e de ser o mentor da futura adaptação de Preacher pela HBO. Se há algum
tipo de qualidade em seus longas, é o fato de que, por mais toscos que possam
parecer, há um olhar realmente interessado na construção daqueles universos por
de trás do filme. Sua proposta de transpor estes universos para o cinema é interessante,
pois visa encontrar em códigos do próprio cinema os caminhos, o que difere diretamente
dos caminhos optados por Robert Rodriguez e Frank Miller em Sin City,
onde realizam cinema mas sempre com um olhar de reconstrução de uma imagem. Mas
Mark Steven Johnson não possui qualquer talento para o cinema, num sentido direto
do termo. Mesmo Zack Snyder, em 300 (com métodos que se aproximam de Rodriguez
e Miller), com todos os infinitos problemas que o filme possui, sabe lidar com
o cinema, ainda que nem sempre se goste do cinema realizado por ele.
O caso de Mark Steven Johnson parece ser mais sério. É fácil confundir sua inaptidão
com uma certa inocência por de trás do filme, mas seria fechar os olhos para
o que a imagem evidencia. Os planos não se encontram, a estrutura dramatúrgica
inexiste, os cortes vêm e vão a qualquer momento. Há ainda os incríveis momentos
em que o filme num claro movimento de duvidar da capacidade de armazenar imagens
na memória do espectador, explica da forma mais espalhafatosa o que e quem está em
cena, sem qualquer respiro. E neste ambiente de total nada em termos de cinema,
o que fica de algum valor para discussão é o uso das armas digitais que o filme
realiza. Como numa versão radicalizada de outras versões para o cinema de heróis,
o Motoqueiro Fantasma não é tocável, se quer parece existir em cena. Sua imagem é apenas
uma digitalização, e isso é uma tendência interna do filme assustadora. Nada
mais é tocável, nada mais é físico.
E não chega o caso de ser uma diferenciação de universos, o real de Johnny Blaze/Nicholas
Cage e o de sua transformação. É verdade que neste submundo que cria Johnson
tudo parece ainda mais virtual, vide toda a ambientação das cenas com o vilão,
a voz toscamente alterada de Wes Bentley. O momento em que o coveiro se transforma
num motoqueiro é um dos poucos que parecem dizer alguma coisa em termos de construção
a partir do CGI, talvez por remeter demais ao quadrinhos. Mas é um lampejo raro.
Se Johnson criasse a partir disto um universo do bizarro, do exagero, o tornaria
interessante, só que a percepção disto exigiria dele um certo tipo de olhar e
atenção para o que realiza que ele simplesmente não tem. E num filme onde nada
parece realmente existir, onde até a luz que produz a sombra parece deslocada,
não há marco maior do que a inacreditável seqüência em que Cage se vê no espelho
e, embasbacado, vê o improvável: seu corpo totalmente alterado digitalmente.
Guilherme Martins
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