DREAMGIRLS – EM BUSCA DE UM SONHO
Bill Condon, Dreamgirls, EUA, 2007

E então você acreditou que, depois de Deuses e Monstros e do relatório Kinsey, cair um musical nas mãos de Bill Condon significaria necessariamente um toque refinado, uma atenção maior ao detalhe, enfim, um registro menos ramerrame do que a impessoal, até inepta, encenação dos musicais oscarizáveis dos últimos anos (pensamos, evidentemente, em Chicago)? Tudo bem, era uma crença louvável, mas Dreamgirls não a sustenta sequer por dez minutos. OK, a cor é forte, a palheta cromática ressalta a pele negra e lembra o trabalho de fotografia em Ray, mas tudo no filme chama o espalhafato e nele se instala. Nenhuma apreensão mais detida, nenhum enfoque em um drama: os fiapos de estrutura narrativa escoam tão rápido que por vezes pensamos que estamos diante de um filme de vavnguarda à maneira de Raul Ruiz, apenas para em seguida nos depararmos com o fato de que o filme não se presta a muito mais que um desfile de lantejoulas e de amostras de técnica vocal que pouco têm a ver com expressividade. A lógica de Dreamgirls – e nisto pode se encontrar talvez alguma influência de Moulin Rouge, o que, assim colocado, instalaria, quem sabe, um trend do musical pó-mó – nõ é tanto narrativa, de acompanhamento dos dramas e das caracterizações psicológicas dos personagens, mas uma lógica de enredo de escola de samba. Exemplo: se fazemos um desfile sobre abacaxis, vai ter carro alegórico sobre o Chacrinha. É só assim que é possível compreender a entrada de elementos tão acessórios que em nada acrescentam à trama (grande exemplo, os Jackson 5) ao passo que algumas elipses, delicadas com passo de elefante, servem para "resolver" os futuros de personagens dos quais já havíamos perdido a rédea há muito tempo. Resta essa mise-en-scène genérica, banal, do corte rápido, da ubiqüidade da câmera que, sob a pecha de filmar todos os lados e parecer dinâmica, só revela uma esquálida criatividade e uma completa descrença no colocar de uma câmera e em como isso impulsiona uma emoção. Sai-se de Dreamgirls como de um rolo compressor: vemos um monte de coisa, algumas delas parecem artísticas, mas o acavalamento, a falta de harmonia e um extremo mau gosto revelam a completa incapacidade de criar um mínimo de força visual ou narrativa.

Ruy Gardnier