Caixa
2 é um filme velho. Velho não porque
a questão dos desvios de verba pública
tenha saído da agenda dos noticiários,
mas porque ele é todo construído a partir
de uma mudança de paradigma no mundo do trabalho
que já é velha há muito tempo,
a automação. Já perdemos de vista
a época em que a própria televisão,
muito mais antenada nas questões de contemporaneidade
do que o dito "cinema popular", já
narrou a saga de um trabalhador com anos de empresa
que era trocado por uma máquina. Well, here we
go again... Em Caixa 2, um adorável baba-ovo
de patrão, gerente de banco e funcionário
da mesma casa há mais de vinte anos é
um dos nomes numa lista de demissão de 600 nomes.
Simultaneamente, por erro de subalternos, um cheque
de R$50 milhões destinado ao presidente do banco,
tido como homem idônio, vai parar na conta da
esposa do referido baba-ovo. Naturalmente, os dois pedaços
do processo, o alto e o baixo, o notável e o
imperceptível, são tensionados juntos.
Nasce daí uma crítica ácida aos
jogos de poder do mundo contemporâneo e, em particular,
ao ambiente corporativo e ao clima indiscriminado de
corrupção que paira sobre as esferas de
poder? De jeito nenhum. O interesse do filme é
parasitar um episódio bem conhecido do passado
recente da vida brasileira, mas jamais adicionar um
retoque, jamais forçar um dedo. Naturalmente,
tudo acaba em pizza, e o filme engenhosamente se esconde
da necessidade de acrescentar qualquer coisa ao debate.
Caixa 2 é um filme fora do tempo. Mais
que velho. Fora do tempo porque, em termos mercadológicos,
coloca como isca um assunto que as pessoas parecem já
não agüentar mais (entre outras coisas,
por uma superexposição com finalidades
políticas, mas isso não vem ao caso),
e nem chega a trabalhar essa isca a contento. Naturalmente,
há o papel da secretária, naturalmente
há a menção a um bordel, mas fora
isso o filme se passa inteiramente no âmbito da
"baixa corrupção", na circulação
entre um dono de banco, um assistente trapalhão,
uma secretária que aceita virar laranja e a família
do nobre gerente dispensado pelo computador. Nesse sentido,
o clima paranóico de um Brasília 18%,
ainda que algo desajeitado, se prestava muito mais a
um reflexo da atmosfera presente no seio da sociedade.
Mas tudo bem: pode-se tranqüilamente dizer que
o filme não tinha nenhuma obrigação
de se referir à questão do mensalão
ou apontar o dedo a quem quer que fosse, que o filme
se presta unicamente a ser uma comédia que se
aproveita meio desavergonhadamente de um episódio
público para cativar o pacato cidadão
a gastar uns tostões na sala do cinema. Ainda
que meio hipócrita, o argumento faz sentido.
Então vamos à questão da comédia.
Caixa 2 é um filme sem o menor timing.
É impressionante como as situações
são desperdiçadas porque os atores estão
duros e desajeitados em seus papéis, porque tudo
é colocado tão em evidência que
o espectador se sente subestimado em sua inteligência,
porque o filme não consegue em nenhum momento
dosar a carga do drama com as situações
cômicas criadas. Bruno Barreto já assinou
alguns filmes dignos (Romance da Empregada no
topo), mas aqui revela uma completa ineficácia
em criar situações com naturalidade, em
que o humor brote doce e elegante. O filme é
um pouco como aquele patrão que conta piada sem
graça e, rindo nevosamente, força seus
ouvintes a rir junto, por força da situação.
Acontece que, a tela não tendo nenhuma autoridade
sobre o espectador, o silêncio é colossal.
Talvez seja essa a verdadeira genialidade de Caixa
2, sua profunda característica subversiva:
é um filme sobre corrupção em que
todo o humor foi desviado por um canal paralelo e não
chegou às telas. Quem sabe, visto pelos olhos
do nonsense, Caixa 2 ganhe algum interesse.
Porque, fora isso, é apenas péssimo cinema.
Ruy Gardnier
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