CAIXA 2
Bruno Barreto, Brasil, 2007

Caixa 2 é um filme velho. Velho não porque a questão dos desvios de verba pública tenha saído da agenda dos noticiários, mas porque ele é todo construído a partir de uma mudança de paradigma no mundo do trabalho que já é velha há muito tempo, a automação. Já perdemos de vista a época em que a própria televisão, muito mais antenada nas questões de contemporaneidade do que o dito "cinema popular", já narrou a saga de um trabalhador com anos de empresa que era trocado por uma máquina. Well, here we go again... Em Caixa 2, um adorável baba-ovo de patrão, gerente de banco e funcionário da mesma casa há mais de vinte anos é um dos nomes numa lista de demissão de 600 nomes. Simultaneamente, por erro de subalternos, um cheque de R$50 milhões destinado ao presidente do banco, tido como homem idônio, vai parar na conta da esposa do referido baba-ovo. Naturalmente, os dois pedaços do processo, o alto e o baixo, o notável e o imperceptível, são tensionados juntos. Nasce daí uma crítica ácida aos jogos de poder do mundo contemporâneo e, em particular, ao ambiente corporativo e ao clima indiscriminado de corrupção que paira sobre as esferas de poder? De jeito nenhum. O interesse do filme é parasitar um episódio bem conhecido do passado recente da vida brasileira, mas jamais adicionar um retoque, jamais forçar um dedo. Naturalmente, tudo acaba em pizza, e o filme engenhosamente se esconde da necessidade de acrescentar qualquer coisa ao debate.

Caixa 2 é um filme fora do tempo. Mais que velho. Fora do tempo porque, em termos mercadológicos, coloca como isca um assunto que as pessoas parecem já não agüentar mais (entre outras coisas, por uma superexposição com finalidades políticas, mas isso não vem ao caso), e nem chega a trabalhar essa isca a contento. Naturalmente, há o papel da secretária, naturalmente há a menção a um bordel, mas fora isso o filme se passa inteiramente no âmbito da "baixa corrupção", na circulação entre um dono de banco, um assistente trapalhão, uma secretária que aceita virar laranja e a família do nobre gerente dispensado pelo computador. Nesse sentido, o clima paranóico de um Brasília 18%, ainda que algo desajeitado, se prestava muito mais a um reflexo da atmosfera presente no seio da sociedade. Mas tudo bem: pode-se tranqüilamente dizer que o filme não tinha nenhuma obrigação de se referir à questão do mensalão ou apontar o dedo a quem quer que fosse, que o filme se presta unicamente a ser uma comédia que se aproveita meio desavergonhadamente de um episódio público para cativar o pacato cidadão a gastar uns tostões na sala do cinema. Ainda que meio hipócrita, o argumento faz sentido. Então vamos à questão da comédia.

Caixa 2 é um filme sem o menor timing. É impressionante como as situações são desperdiçadas porque os atores estão duros e desajeitados em seus papéis, porque tudo é colocado tão em evidência que o espectador se sente subestimado em sua inteligência, porque o filme não consegue em nenhum momento dosar a carga do drama com as situações cômicas criadas. Bruno Barreto já assinou alguns filmes dignos (Romance da Empregada no topo), mas aqui revela uma completa ineficácia em criar situações com naturalidade, em que o humor brote doce e elegante. O filme é um pouco como aquele patrão que conta piada sem graça e, rindo nevosamente, força seus ouvintes a rir junto, por força da situação. Acontece que, a tela não tendo nenhuma autoridade sobre o espectador, o silêncio é colossal. Talvez seja essa a verdadeira genialidade de Caixa 2, sua profunda característica subversiva: é um filme sobre corrupção em que todo o humor foi desviado por um canal paralelo e não chegou às telas. Quem sabe, visto pelos olhos do nonsense, Caixa 2 ganhe algum interesse. Porque, fora isso, é apenas péssimo cinema.

Ruy Gardnier