Falando
sobre Macunaíma o herói sem nenhum
caráter, Oswald de Andrade dizia que seu
autor criara "numa tacapada, o herói cíclico
e o idioma poético nacional". Sobre todas
as revoluções que a rapsódia de
Mário de Andrade tenha provocado nas artes brasileiras,
estes dois conceitos centrais, lembrados por seu parceiro
de geração, talvez sejam os mais decisivos,
e também os mais evidentes sempre que nos encontramos
com uma obra que dialogue, em algum nível, com
o texto de 1928. É sobre o primeiro desses conceitos,
o do herói cíclico (antes mesmo de irônico,
preguiçoso, sem caráter, ou qualquer outra
das características aplicáveis a ele)
que podemos enxergar a aproximação entre
as duas versões cinematográficas do livro,
entre o Macunaíma de Joaquim Pedro de
Andrade e o Exu-Piá, Coração
de Macunaíma, de Paulo Veríssimo.
Cíclico, acontecendo e desaparecendo, para reaparecer
mais à frente, Macunaíma é um personagem
tão pertencente aos anos 20 em que foi escrito
quanto ao pós AI-5 em que é filmado pela
primeira vez, e ainda ao começo dos anos 80 quando
retorna às telas: expressão exata seria
usada por Telê Porto Ancona Lopez a respeito do
livro, segundo ele uma "literatura de circunstância",
algo no qual os filmes irão prazerosamente se
apoiar. Se aparecerão eventualmente em posições
muito diversas diante do texto marioandradino, é
na tomada de Macunaíma, antes de personagem-síntese
da brasilidade ou portador preferencial da nossa identidade
(uma espécie de muiraquitã de si mesmo),
mas como um fenômeno, algo que antes de
ser, é simplesmente o acontecer
de algo, enfim, é aqui que Joaquim Pedro e Paulo
Veríssimo mais se encontram.
O filme de Joaquim Pedro nasce nos estertores do Cinema
Novo, momento em que sua geração se debate
entre a radicalização das propostas estéticas
levadas a cabo até ali e uma guinada contrária,
de moderação do discurso artístico
e político (a chefia da Embrafilme apareceria
logo adiante), com uma meta bem definida de aumento
do público dos filmes – apenas Macunaíma
se sai bem na bilheteria. Já Paulo Veríssimo
roda sua versão do mito a partir de 1981, dentro
de um projeto que comemorava os 90 anos do nascimento
de Mário de Andrade (e que incluía ainda
uma série de tevê e diversas publicações,
além do longa-metragem).
Veríssimo trabalha num duplo registro, onde aparecem
cenas documentais da apresentação e dos
bastidores da lendária montagem teatral que Antunes
Filho e o Grupo Pau-Brasil fizeram de Macunaíma,
o livro, e tira dela um dos protagonistas do próprio
filme, Cacá Carvalho, para interpretar a "face
branca" do herói. Ao mesmo tempo, chama
Grande Othelo para reprisar o papel que fizera com Joaquim
Pedro, e assim trabalha com intervenções
ficcionais destes dois atores no ambiente da peça
de teatro e na rua, passando por blocos de carnaval,
estações rodoviárias, praças
públicas, e se deixando contaminar por toda onda
tecnológica que atingiu aquela década
em cheio: letreiros luminosos, videogames, computadores
e tudo o mais. Veríssimo vinha de uma longa carreira
no curta-metragem, iniciada já nos anos 60, quando
fez parte do Grupo Câmara, dirigindo um dos episódios
do longa-metragem coletivo Como Vai, Vai Bem?,
tendo anteriormente feito Quarto Movimento, vencedor
do Festival JB-Mesbla de Cinema Amador de 1966. Segue
trabalhando com o formato durante o estouro de produção
provocado pela Lei do Curta, na virada da década
de 70 para a de 80, sempre bastante ligado àquela
mesma radicalização estética que
caracterizara os cineastas marginais na cisão
com o Cinema Novo, e que seria de grande influência
para boa parte da geração curta-metragista
saída dos festivais amadores da época.
É, portanto, no segundo traço fundamental
percebido por Oswald de Andrade que estes dois cineastas
mais irão se diferenciar. A compreensão
do que seja aquele "idioma poético nacional"
coloca Macunaíma e Exu-Piá
em pontas opostas de uma mesma idéia de cinema
brasileiro moderno, uma ainda sob a forte marca do cinemanovismo,
outra que se coloca no começo dos anos 80 como
um dos desdobramentos da geração marginal,
as duas se perguntando sobre as possibilidades de representação
do nacional no contexto artístico e político
que experimentaram em seu tempo.
Cinema papo-firme
Não se nega, quando diante de Macunaíma,
um olhar alegórico sobre aquilo que interessava
a Joaquim Pedro enquanto "realidade nacional"
no momento em que o filme é feito. O encontro
com o texto original de Mário é, portanto,
um reconhecimento mútuo entre expressões
artísticas que pretendem, em algum sentido, "dar
conta" da idéia tão imprecisa e ao
mesmo tempo tão necessária de um país,
uma idéia do Brasil. No filme de 1969, esta relação
se dará pela projeção, na trajetória
do protagonista, do sumário de questões
político-sociais prementes daquele período,
não só no que se podia perceber no contato
com a realidade empírica da civilização
brasileira apenas recentemente entrada no processo de
modernização, mas principalmente com tudo
aquilo que o cinema desta época tinha construído
em seus filmes enquanto realidade nacional.
É ver em Ci – guerreira do mato – a guerrilheira
que Dina Sfat interpreta, transplantar a fúria
da selva amazônica para o calor da luta armada,
e ver nesse movimento uma relação íntima,
quase natural – por fim, cíclica ("Essa
garota é papo-firme", como diz a trilha
sonora com Roberto Carlos, e garotas papo-firme parecem
personagens tão permanentes na cultura nacional
quanto a do herói sem nenhum caráter).
E mais ainda, enxergar a morte de Ci e do filho recém-nascido
de Macunaíma como um atentado à bomba
provocado acidentalmente pela própria guerrilheira:
num movimento só, reforçar o caráter
de resistência do povo brasileiro e o potencial
autodestrutivo de que esta resistência esteve
sempre investida, claramente notada nos movimentos de
oposição no auge da repressão ditatorial.
Há por trás deste trecho da guerreira
Ci uma idéia que permeia toda construção
narrativa de Macunaíma, segundo a qual
aquele "idioma poético nacional" deve
servir, sobretudo, na composição de um
discurso sobre nossa identidade em transe. Se
ele será radical em suas considerações
a respeito do brasileiro e de sua posição
histórica (lembremos da cena polêmica em
que Macunaíma-Paulo José rouba o dinheiro
de uma criança engraxate, para que "aprenda
a ser mais esperta", tendo ele mesmo sido enganado
pouco antes ao comprar um pato que descome moedas),
se terá pulso crítico inabalável,
substituindo o otimismo trágico de Mário
de Andrade por um pessimismo cômico, será
assim tão somente para reafirmar esta sua vontade
de organização, de domínio estrutural,
o que eventualmente servirá ao estabelecimento
de sua teoria sociológica pela via cinematográfica,
e de sua teoria cinematográfica pela via sociológica.
Curiosamente, é também em termos de organização
que muitos críticos literários definem
aquilo que poderíamos chamar de "estilo"
no texto marioandradino. Antonio Callado fala numa "bricolagem",
e Gilda de Mello e Souza avança, adicionando
ao termo uma expressão fundamental para esta
relação íntima que o livro parece
manter com o cinema, mesmo antes de qualquer adaptação,
ao dizer que Macunaíma o herói sem
nenhum caráter opera verdadeiras "técnicas
de montagem". Ora, estamos exatamente diante daquilo
que por muito tempo figurou como o específico
cinematográfico, justo no momento em que sua
especificidade se perde diante da utilização
primordial também na literatura. A montagem,
na relação com a palavra, se daria pelo
caráter paródico do texto, cheio de referências
exteriores a ele mesmo que virariam, em algum momento,
próprias de sua matéria, justamente por
essa disposição do autor em colar pedaços
distantes, fazê-los próximos. No limite,
esta atitude antropofágica é o que caracterizaria
todo o movimento modernista brasileiro do começo
do século (e sua repercussão tardia no
cinema dos anos 60) e, no entanto, há uma diferença
grande a se perceber entre a organização
de Macunaíma, o filme, e a de Macunaíma,
o livro, algo que nos leva imediatamente à Exu-Piá.
Porque o conceito de modernidade está visceralmente
ligado à natureza deste ser macunaímico,
tão forte quanto qualquer outra de suas tão
alardeadas características. O texto de Mário
de Andrade, nascido no bojo das transformações
artísticas do início do século,
mantém com a modernidade uma relação
identitária única, verdadeiramente metonímica,
porque podemos tomar o livro como uma das provas físicas
de que o clássico estava sendo superado, e mesmo
que não alcancemos a amplitude do termo (e talvez
nunca possamos, mesmo já estando em tempos pós-modernos),
sabemos estar ali diante de algo moderno por excelência,
sendo Macunaíma, o personagem, a expressão
pura de uma guinada de consciência da brasilidade
(e da humanidade) renovada pelo acúmulo dos séculos
de História pregressa e da previsão dos
outros tantos séculos de História por
vir. Quando Joaquim Pedro filma esta história
40 anos depois da publicação do livro,
e Paulo Veríssimo ainda 15 anos além disso,
já não estaremos conectados a esse personagem
de maneira tão original.
Macunaíma e Exu-Piá são,
de fato, repercussões daquela modernidade ainda
em ebulição. Joaquim Pedro assimila essa
origem de maneira consangüínea, e faz de
seu protagonista, diante da impossibilidade do ser,
um novo acontecimento da modernidade, e poderíamos
ver no Macunaíma duplo de Grande Othelo e Paulo
José um filho legítimo do moderno. Esta
intimidade entre fonte e adaptação cinematográfica,
visível no trajeto alegórico cumprido
pelo protagonista, é também, e principalmente,
a base da estrutura narrativa de Macunaíma.
Aqui voltamos à idéia de discurso a que
nos referimos anteriormente. Dominando o novo idioma
criado por Mário de Andrade, e vertendo-o num
discurso formado a partir exatamente desta gramática
e desta fonética macunaímica, Joaquim
Pedro constrói um verdadeiro filme-projeto, já
tendo absorvido não só a revolução
artística dos anos 20 mas tudo o que se estabeleceu
enquanto teoria da modernidade nos anos seguintes, e
que chegava ao fim dos anos 60 como uma epistemologia
do novo tempo. Macunaíma, o filme, é
absolutamente conseqüente em toda sua aparente
vertigem, e se as propostas cinemanovistas aparecem
já um tanto esgarçadas pela reformulação
dos princípios de mercado do grupo (uma frase
de Exu-Piá parece ter sido cunhada exatamente
para este Cinema Novo do espetáculo: "Enquanto
Hollywood ilude, sou um tupy tangendo um alaúde"),
isso não quer dizer, de modo algum, que elas
ainda não exerçam sua força, e
que sejam na verdade a maior força a comandar
a narrativa. Organização, aqui, significa
consciência globalizante, e o que vemos na "técnica
de montagem" de Joaquim Pedro não é
mais do que a obrigação da coerência.
"Muita metáfora às vezes põe
a meta fora"
Exu-Piá, Coração de Macunaíma
também seria, a princípio, ligado ao livro
de Mário de Andrade por uma relação
de filiação simples. Temos a referência
da própria entidade que dá título
ao filme, Exu-Piá, descendente direto de Macunaíma,
e ainda um segundo, novo personagem adicionado por Paulo
Veríssimo a partir de um texto de M. Cavalvanti
Proença, Mitavaí, rei do carnaval nas
favelas cariocas (interpretado por Joel Barcelos). Mas
é exatamente esta operação que
livra o protagonista também duplo (novamente
Grande Othelo, agora ao lado de Cacá Carvalho)
de toda a cartilha de deveres que embutidas na filiação.
O Macunaíma de Paulo Veríssimo, antes
de filho da modernidade, aparece apenas como o personagem
mais suscetível a ela. Sua trajetória
não obedecerá a nenhum projeto, sua estrutura
não implicará em nenhuma necessidade de
conseqüência. Errando pela floresta e pela
cidade, este receptáculo preferencial dos signos
do mundo se deixará contaminar constantemente
por aquilo que o cerca, de tal maneira entregue a essa
possibilidade de descobrir-se atual, ainda vivo (porque
cíclico) no começo dos anos 80, que a
própria materialidade do filme passará
também a ser suscetível a esta época.
Recolocado na linha temporal da modernidade brasileira,
Exu-Piá se nutrirá sem reservas
daquele "idioma poético nacional" alardeado
por Oswald de Andrade, e agora não mais apenas
de sua adaptação ao modo de operação
artístico-ideológica de uma geração,
mas como a única linguagem ainda possível
num contexto em que todas elas pareciam se perder. Exu-Piá
realiza efetivamente as técnicas de montagem
do livro de Mário de Andrade, e lidando com matérias-primas
diversas (era eletrônica e urbanidade aqui, súmula
da cultura mestiça ancestral acolá), chega
a resultados muito parecidos, com sua colagem livre,
seu plágio renovador, sua bricolagem de identidades.
Macunaíma, Grande Othelo, o E.T. de Spielberg,
e por que não?
(Mesmo depois de ganhar o Festival de Brasília
em 1985, Veríssimo seguiu mexendo em Exu-Piá
até 1991, quando finalmente teve sua versão
definitiva, e uma de suas últimas adições
ao material do filme foi um trecho gravado em vídeo
– a fotografia principal fora toda feita em 16 mm –
onde Grande Othelo aparece vestido numa fantasia de
E.T., no meio de um matagal, olhando para as estrelas,
cena que aparece logo após os créditos
iniciais).
Veríssimo devolve o herói sem nenhum caráter
a seu destino original. Joaquim Pedro o fizera morrer
nos braços da Uiára, no fundo de uma cachoeira,
e sua transmutação em estrela, na Ursa
Maior, nunca chega a se completar. Exu-Piá
começa nos céus, Macunaíma restabelecido
enquanto estrela a pairar sobre as cabeças brasileiras,
até que volta à Terra, dividido em dois
e com um só coração, "como
o velho está dentro do novo", Mário
dentro de Joaquim, Joaquim dentro de Veríssimo,
Othelo dentro de Cacá, Othelo dentro de si mesmo.
Volta que tem um objetivo definido: convencer o autor
a mudar o destino de sua criação, um objetivo
que será transtornado por uma série de
novas circunstâncias, de novas demandas, que levarão
Macunaíma à lugares onde, até então,
não havia ido (ao menos enquanto imagem), para
que, num susto, tenha finalmente seu cumprimento sacramentado
pelo final inevitavelmente feliz.
Se no filme de Joaquim Pedro tínhamos apenas
uma suspeita, com Veríssimo já não
temos dúvida nenhuma: a narração
em off é conduzida pelo próprio
Mário de Andrade. Cacá pede ao autor,
diante de um busto seu numa praça pública,
que dê um jeitinho, porque ele fica lá
escrevendo e quem paga o pato é sempre o pobre
do Macunaíma. O pato a que se refere é
exatamente aquela sua capacidade de se impressionar
pelo mundo, e aqui Veríssimo opera uma curiosa
multiplicação de autoria, acrescentando
no "fica lá escrevendo" de Mário
o igualmente poderoso "fica lá encenando"
de Antunes Filho e o "fica lá filmando"
de Joaquim Pedro e seu próprio, quatro instâncias
criativas que colocam o fenômeno Macunaíma
à prova em situações diversas,
e que conseguem tirar dele sempre muito mais do que
enxergávamos a princípio.
Somado ao nome do herói, no filme de Veríssimo,
aparece sempre uma expressão que sintetiza bem
a posição deste personagem reprocessado
e instalado na contemporaneidade. Todos chamam sempre
Macunaíma de "Coração dos
Outros". Se esteve empregado como coração
desses quatro autores, em épocas e situações
diversas, todos eles, em algum sentido, apontavam para
uma quinta e decisiva ponta desta cadeia, e é
assim que o Exu-Piá consegue materializar
toda a porção brasileira de Macunaíma,
não no que isso possa significar histórica
ou sociologicamente, mas propriamente na singularização
da experiência do brasileiro no contato com seu
próprio país.
E assim, Exu-Piá é o testemunho
desse contato, e se repete nele a errância do
protagonista do livro, a recuperação da
pedra preciosa herdada da noiva perde literalidade,
e toda a carga identitária de que esteve investido
o muiraquitã será espalhada agora pelo
caminho que leva até ele. Boa parte do filme
de Veríssimo parece surgir a partir dos dois
trechos que Joaquim Pedro filmara no centro do Rio de
Janeiro onde, despido de toda coloração
exagerada dos cenários de estúdio, jogava
seus personagens na rua, e colocava a câmera no
rastro deles (e eles no rastro de uma cotia imaginária).
Estaremos, no filme de 1983, insistentemente colocados
nesse intervalo entre o personagem e a câmera,
um intervalo que compreende o espaço urbano,
a floresta, e todos os que vivem nele. Antes de dizer
o que é o brasileiro, precisamos saber por onde
ele anda.
Quando está na rua, Exu-Piá se
liga diretamente ao Bandido de Rogério
Sganzerla. Já tínhamos a aproximação
nos créditos iniciais sendo exibidos num letreiro
luminoso, e principalmente uma forte relação
no trabalho de edição dos dois filmes,
colagens pop muito antes de se inventar um termo
para isso. Na rua, no entanto, Macunaíma é
mais Luz Vermelha, porque vai escorregando pela cidade
e deixando a margem invadir o centro, acumulando os
traços da urbanidade e transportando-os para
sua própria tessitura, finalmente se contaminando
de toda expressão de nacionalidade que apareça
no caminho, nunca finalizando a conta, mas sempre somando,
somando.
Exu-Piá tem um momento verdadeiramente
perturbador, por toda sua carga emocional e pelo diálogo
imediato que estabelece com duas imagens presentes no
imaginário do cinema brasileiro, no momento em
que a câmera de Paulo Veríssimo invade
o funeral de Garrincha. Lidamos primeiramente com a
lembrança de Di Cavalcanti morto, com Glauber
Rocha debruçado em seu caixão, e no momento
seguinte com o novo encontro de Veríssimo e Joaquim
Pedro. Tínhamos na memória a imagem de
Garrincha associada à idéia de "alegria
do povo", emprestada por Joaquim e por Armando
Nogueira no documentário de 1962. Exu-Piá
amplia a dimensão dessa frase-síntese,
e dá contornos trágicos à palavra
"alegria", intercalando as imagens do corpo
de Garrincha à trechos do cortejo que o levou,
em carro aberto, pela rua. Nessas imagens é o
"povo", abstração pura, que
efetivamente se materializa. Macunaíma, herói
de nossa gente, herói da gente que chora, na
rua, a morte de um ídolo. Brasileiros, de fato.
"Macunaíma não pode ser símbolo
de brasileiro simplesmente porque símbolo
empregado assim, sem mais nada, implica necessariamente
totalidade psicológica", foi o que disse
Mário de Andrade numa carta ao poeta Carlos Drummond
de Andrade escrita em 1928. Se apresentam de fato as
diferenças e as semelhanças aqui traçadas,
Macunaíma e Exu-Piá, o filme
de Joaquim Pedro e o filme de Paulo Veríssimo,
dividem, em última instância, esta mesma
postura do escritor em relação ao herói
sem nenhum caráter. "Nenhum" aqui não
querendo dizer "mau", mas literalmente a "ausência
de". Macunaíma não tem nenhum caráter
porque ele só pode ser constituído no
contato com os outros, os mesmos outros de quem ele
é o próprio coração. Os
métodos de busca desse caráter o colocarão
eventualmente no corpo-a-corpo com o brasileiro, e nesse
encontro, tanto Joaquim quanto Veríssimo parecem
concordar, não há símbolo ou psicologia.
Em Macunaíma e em Exu-Piá
encontramos a nós mesmos, povo brasileiro, sem
qualquer necessidade de procuração.
Rodrigo de Oliveira
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