VOTAÇÃO – MELHORES DE 2006
Contracampo e seus leitores escolhem
seus filmes preferidos de 2006

Votação dos leitores

1. Caché, de Michael Haneke
2. O Céu de Suely, de Karim Aïnouz
3. 2046, de Wong Kar-wai
4. Volver, de Pedro Almodóvar
5. Miami Vice, de Michael Mann
6. Os Infiltrados, de Martin Scorsese
O Plano Perfeito, de Spike Lee
8. Amantes Constantes, de Philippe Garrel
9. Dália Negra, de Brian De Palma
Ponto Final – Match Point, de Woody Allen

(veja aqui a lista completa
dos filmes votados pelos leitores)

Escolha da redação

1. Amantes Constantes, de Philippe Garrel
2. 2046, de Wong Kar-wai
Miami Vice, de Michael Mann
4. Os Infiltrados, de Martin Scorsese
5. O Plano Perfeito, de Spike Lee
6. A Dama na Água, de M. Night Shyamalan
7. O Crocodilo, de Nanni Moretti
O Novo Mundo, de Terrence Malick
Reis e Rainha, de Arnaud Desplechin
10. O Céu de Suely, de Karim Aïnouz
Espelho Mágico, de Manoel de Oliveira
Volver, de Pedro Almodóvar

(veja aqui as listas nominais
dos redatores de Contracampo)

1. AMANTES CONSTANTES, DE PHILIPPE GARREL
... e finalmente um filme de Philippe Garrel chegou aos nossos cinemas. Chegou de forma inesquecível, retomando a secura e a poesia desértica de O Nascimento do Amor. Se o filme terminasse após a seqüência das barricadas, já mereceria estar em qualquer lista de melhores. A cena, que começa como um filme de atualidades sobre maio-68, pouco a pouco ganha ares mitológicos, até que os jovens insurgentes, carregando tochas, são engolfados por um vale de escuridão absoluta, espécie de noite originária de todas as revoluções, de 1789, de 68 ou de um tempo ainda por chegar. Na manhã seguinte, após a antológica cena em que foge da polícia, o personagem de Louis Garrel parece acordado de um sonho, embora a sujeira em seu rosto ainda tente guardar a materialidade da experiência vivida. O destino do filme está traçado: a memória e a realidade se extenuarão mutuamente, o lúdico do sonho e as trevas da consciência terão seu mais longo combate. A narrativa caminha languidamente, até o momento em que a duração, antes dilatada pelo ópio, se vê diante da necessidade de ruptura. A tristeza então se aprofunda, pois as medidas de sobrevivência individual precisam deixar para trás não apenas um ideal de comunidade, como também o amor em sua forma mais intensa. Por essas e outras, Amantes Constantes é um choque, um filme que jamais superaremos. (Luiz Carlos Oliveira Jr.)

– leia aqui a crítica do filme –

2. 2046, DE WONG KAR-WAI
Depois de uma experiência de assentamento e controle (Amor à Flor da Pele), o cinema de Wong Kar-wai tomaria o rumo de um aperfeiçoamento sufocante e progressivamente inócuo rumo ao academicismo de autor? 2046 dá definitivamente a prova do contrário, criando um universo de excessos e desequilíbrios (visuais, narrativos) que povoam o filme de instabilidade (das vidas, dos encontros, dos sentimentos) e, já que o resultado é sempre o abismo, o vazio (o buraco que só as palavras preenchem com segredos), resta a contemplação do efêmero, e sua estetização extrema. Filme excêntrico em seu sentido literal: o equilíbrio do quadro tende sempre para as laterais ou mesmo para o fora-de-campo, fazendo da imagem mais um campo de apreensão precária do que uma instância de domínio. Que ninguém se engane aqui pelo preciosismo e pela saturação de cores aberrantes que mergulha em cheio no cafona: Wong Kar-wai vai muito além de uma grife visual, e a exuberância superficial de seus filmes esconde sempre uma densidade de visão de mundo que é o que dá o gosto particular de seu cinema. Com 2046, a estética do fluxo ganhou seu Casablanca: desmesurado e trágico, ao final só resta dizer ao mundo "Here's looking at you, kid". (Ruy Gardnier)

– leia aqui a crítica do filme –

2. MIAMI VICE, DE MICHAEL MANN
Michael Mann nos instaura de imediato no meio da intriga, no meio do seu universo de profissionais durões, de intriga ética entre público e privado, de um inventário estético de superfície, de um mal estar melancólico contemporâneo. Miami Vice é um filme que os fãs de Michael Mann sempre quiseram ver, experimental de 150 milhões de dólares onde todas as obsessões do cineasta afloram na tela. Mann se perde no fluxo de sentidos; do céu de Miami ao passeio pela América Latina, num filme que consegue ser de uma alternância radical de tons e espaço, sem nunca perder um grande rigor de construção dramatúrgica. 2006 foi um ano cheio de filmes americanos de autor que dão seqüência a um trabalho de pesquisa estética, mas nenhum deles ela é levado ao limite com tamanha segurança como em Miami Vice. (Filipe Furtado)

– leia aqui a crítica do filme –

4. OS INFILTRADOS, DE MARTIN SCORSESE
"Os que partiram". Com essa caracterização, pronunciada em duas ocasiões de enterro em Os Infiltrados (a saber: o de uma mãe e o do seu filho), Scorsese designa os personagens que atravessam seu último filme (assim como atravessam as suas próprias vidas e as instâncias de poder). Os jogos de gato e rato, cuja circularidade vai se desvelando e se complexificando em seu decorrer, ao mesmo tempo em que apontam para a inexistência de estruturas claramente definidas, em termos de autoridade, hierarquia e antagonismos, apagam o valor das identidades, dos cargos e das posições sociais frente ao risco premente da morte. Medo, neurose, tensão; os sentimentos refletidos nos olhos de Leonardo DiCaprio em Os Infiltrados levam a paranóia, já presente em O Aviador, do interior de um homem ao interior do Estado. E, se por um lado, mergulhar nos sistemas que este abrange é desaparecer (perder a identidade, morrer), por outro, estes sistemas avançam como uma praga, espalhando suas tramas a todos os interstícios da sociedade, envolvendo de uma forma ou de outra os indivíduos. Scorsese prossegue interligando indivíduo e sociedade, o particular e o público, de uma forma bastante impactante: "heróis" e "vilões" são duas faces da mesma moeda, indissociáveis. Seus papéis são inclusive intercambiáveis. O que se conhecia como organização regulamentada da sociedade está ruindo, por uma mudança fundamental de paradigma: a circulação e modulação incessantes já não permitem mais a instalação em qualquer posição circunscrita e marcada. É o que nos diz também a montagem simultaneísta de Thelma Schoonmaker, que funde os tempos e os espaços num só amálgama. E para lidar com esta nova realidade é preciso "crescer", como diz Costello a Sullivan – compreender que não há como apontar culpados impunemente, pois estamos todos no mesmo barco da História. (Tatiana Monassa)

– leia aqui a crítica do filme –

5. O PLANO PERFEITO, DE SPIKE LEE
O Plano Perfeito tem, em sua estrutura, duas características aparentemente contrastantes: ser um filme de gênero, hollywoodiano, de alto orçamento e intensa inserção no modelo industrial e, simplesmente, ser dirigido por Spike Lee. Mas, ao contrário de uma diluir a outra, é dessa soma de fatores que este filme tira sua força e sua graça. Pois, de um lado, temos uma das brincadeiras mais bem-sucedidas, e bem dirigidas, dos últimos anos, com todas as regras do gênero perfeitamente colocadas, como se Lee mostrasse que, se fosse sua intenção, seria o diretor contratado mais talentoso dessa indústria. E, de outro, uma das construções políticas mais instigantes desta Nova Iork de mil nacionalidades e esqueletos, cada regra escondendo uma camada, uma visão, o olhar sempre crítico do diretor sobre aquilo que o cerca. Ao mesmo tempo uma homenagem e uma transgressão, O Plano Perfeito é um golpe de mestre. (Leonardo Levis)

– leia aqui a crítica do filme –

6. A DAMA NA ÁGUA, DE M. NIGHT SHYAMALAN
Fé, união, aceitação do próximo, solidariedade e esperança. Conceitos otimistas e cristãos, exaustivamente trabalhados em filmes insípidos e moralizantes. Filmes que tomam eles como finalidade e não como preceitos, como se todos tivéssemos de ser adestrados em um jogo de caminhos fixos que é a vida para que entendamos e exerçamos tais ideais. A beleza de A Dama na Água está em inserir esses conceitos na história como parte da natureza dos personagens, habitantes de um condomínio no qual aparece Story, uma ninfa aquática com uma missão a cumprir. Se para alguns essa prerrogativa faz o filme parecer ingênuo, infantil ou bobo, para Shyamalan é por esse lado que se atinge a pureza dos olhos de uma criança. Os personagens, os espectadores e o próprio diretor desejam acreditar naquele conto de fadas que lhes é contado porque todos sentimos falta da fantasia em um mundo que perdeu a capacidade de imaginar. Shyamalan, no entanto, nos ensina a fazê-lo recuperando e reconstruindo a linguagem da ficção. Sua alternância entre o uso do fora de quadro e o da computação gráfica para pôr em cena as criaturas fantásticas é a maior prova disso. Em um filme que marca sua mudança de estúdio, com o objetivo de obter maior liberdade de criação, Shyamalan se reinventou para se livrar de vez de estigmas comerciais que perseguiam sua carreira, como o do “diretor dos finais surpreendentes”, e mostrou que o seu maior interesse é expandir os limites da ficção. (Bernardo Barcellos)

– leia aqui a crítica do filme –

7. O CROCODILO, DE NANNI MORETTI
O filme de Moretti traz de forma implícita uma velha preocupação, mais uma vez decisiva: como o cinema pode pretender discutir as relações entre a política nacional e o cotidiano das pessoas e, a partir disso, tomar partido e levar o espectador à reflexão? Na mesma Itália onde o cinema assumiu facetas ora profunda ora superficialmente ativistas, o filme de Moretti procurou expor a crise deste papel nos anos de Berlusconi, de seus times de futebol e dos seus canais de TV. Por saber o quão antiga é essa questão em torno da representação da grande política pelos filmes, O Crocodilo lança um olhar sobre o papel e o espaço social do cinema, quando o cinema de gênero que se contrapunha ao cinema dito politizado de décadas atrás encontra-se igualmente decadente – pelo menos nas suas formas puras, pois o que O Crocodilo faz é assumir que atualmente, para se comunicar e provocar seu público, um filme sobre as questões da grande política pode (ou deve?) seguir certos procedimentos do cinema de gênero. Para isso, o filme se utiliza de toda sorte de artifícios narrativos a partir duma trama em que um produtor decadente de filmes de gênero se vê envolvido na produção de um idealista filme-denúncia sobre Berlusconi. Ao final, O Crocodilo mostra o seu lado devorador quando traz uma nova questão: como refletir sobre personagens tão gigantescos e caricaturais como Berlusconi? Na mesma Itália de Nero e Calígula, Moretti faz uma nova declaração de princípios para o seu cinema. Se para trazer suas preocupações políticas e estéticas ele se utiliza do formato da comédia de erros e do enredo auto-referente, para expor o seu ataque a uma figura real ele próprio, o autor, também precisa se mostrar. Moretti leva ao limite a crise entre autor de ficção e personagem real – e, se Berlusconi tem muitas facetas (e nenhum o redime), é preciso que o próprio Moretti se veja e se coloque como Berlusconi para expô-lo e entender o que ele representa. No final das contas, o mundo mudou depois desse filme? Bem, na verdade o mundo muda sempre, e certamente o cinema mudou bastante – só não percebe quem não viu. (Daniel Caetano)

– leia aqui a crítica do filme –

7. O NOVO MUNDO, DE TERRENCE MALICK
O tom de espreita e sussurro com que O Novo Mundo se inicia nos introduz ao mundo íntimo e próprio da personagem, onde corpos humanos nadam sob as águas em harmonia com os peixes, ao som da natureza. Em algum momento ainda do início, esse murmúrio é contrastado com uma música grandiloqüente e grandes caravelas que se aproximam da terra firme. Ainda assim, essas embarcações que vemos chegar são os próprios nativos da terra que as vêem em olhares que espreitam por entre a vegetação. Como fazer uma obra intimista e sensória a partir de um importante mito fundador da sociedade norte-americana, tão passível a carregar pré-significações e tons épicos? É a partir deste contraste que Terrence Malick dá vida a seu filme, indo do micro ao macro, conciliando extremos. Partindo como que de dentro do corpo e do espírito da protagonista, Pocahontas, o filme nos permite perceber a maravilha e a força geradas a partir da relação do íntimo com o mundo externo. É desta forma que o diretor trabalha primorosamente a percepção de seus personagens, na qual o estranhamento do olhar é também encantamento. Isso é possível porque se adere aos olhares e se prima por fazer um cinema que revela sua grandeza ao deter-se nos detalhes, tratando da reconciliação do homem consigo mesmo e com a natureza, da harmonia/desarmonia que rege o mundo, de uma beleza que é convulsiva por ser ao mesmo tempo plena e inatingível por completo. Em nenhum momento do filme, a não ser nos créditos finais, há menção ao nome Pocahontas, pois não é o peso de significados do nome ou do mito que a personagem ou o filme carregam, mas a fluência do intimo, do detalhe, do olhar, da descoberta deslumbrante e dolorosa de um novo mundo para cada personagem e da vida, que inquieta tanto Malick por ser impregnada de caos e beleza. Sendo assim, que a inquietude prospere, para que Malick siga dando à vida obras-primas como esta. (Luisa Marques)

– leia aqui a crítica do filme –

7. REIS E RAINHA, DE ARNAUD DESPLECHIN
Podemos comparar a experiência de assistir a Reis e Rainha ao ato de entrarmos num labirinto. A cada nova seqüência somos direcionados por Arnaud Desplechin a penetrar por fragmentos das vidas de Nora e Ismaël sem saber a direção certa que iremos tomar ou se essas direções irão realmente nos transportar a algum destino. À medida que o diretor começa a nos ajudar a encontrar nossas trilhas – e também a de seus personagens – vemos aparecer diante de nossos olhos entradas e caminhos que ilustram ao mesmo tempo um pouco da grandeza e do efêmero na existência humana. A saída deste labirinto, que vem através da conversa entre Ismaël e o garoto no interior do Museu do Homem, só vem marcar de forma extremamente gloriosa o clímax dessa experiência que para sempre nos deixará marcado, nos impingindo compulsivamente a buscar um novo mergulho na obra de Desplechin, seja através deste ou de qualquer outro de seus filmes. (Gilberto Silva Jr.)

– leia aqui a crítica do filme –

10. O CÉU DE SUELY, DE KARIM AÏNOUZ
Um ponto de partida extremamente simples: Hermila viaja com o filho para uma cidade pequena do nordeste, de onde é sua família, e por lá deve esperar o marido, que pretende montar uma barraca de cds piratas. Claro, as coisas nunca são tão simples, e Hermila espera em vão por um marido que nunca irá encontrá-la. Como lá ela vive de vender rifas, não tardou para que tivesse a idéia de vender seu corpo em uma delas, para ter o dinheiro para "ir o mais longe possível dali". É aí que o filme mostra sua face mais amarga e tocante. Hermila tenta se transformar em Suely, para satisfazer o ganhador da rifa, mas não consegue deixar de ser Hermila. O resultado é uma cena de sexo das mais tristes e desesperadas do cinema recente, em muito graças ao desempenho impecável de Hermila Guedes. Há ainda a tensão sofrida por João Miguel, que espera, também em vão, que Hermila desista de fugir. O Céu de Suely mostra agonia e desespero, sem que uma cena sequer resvale no sentimentalismo. Para a câmera de Ainouz, o que interessa é a procura por melhores dias. (Sérgio Alpendre)

– leia aqui a crítica do filme –

10. ESPELHO MÁGICO, DE MANOEL DE OLIVEIRA
Equilíbrio, leveza, graça. Rigor e poesia na construção da imagem, sutileza plástica, texturas de cores transcendentais. Espelho Mágico é um filme que invade delicadamente todos os nossos sentidos. Análogo a um belo pôr do sol, a um jardim florido ou ao vento que acaricia as árvores, o filme do mágico Manoel de Oliveira, se não é um pequeno milagre das potencialidades pictóricas, sensoriais e temporais da arte cinematográfica, chega bem perto disso. A busca do Homem pelo divino. A ação e a natureza do tempo. A espera por um milagre. A culpa dos ricos, o sofrimento dos pobres e as desigualdades sociais. O tempo é um espelho que reflete todas as nossas angustias e a maior delas: a chegada da morte é também a única certeza que a vida nos dá. (Estevão Garcia)

– leia aqui a crítica do filme –

10. VOLVER, DE PEDRO ALMODÓVAR
Assistir a um filme de Pedro Almodóvar é esperar pelo trágico, e pelo cômico. Pela morte, e pela vida. Contradição? Não. Apenas tentativas de síntese de categorias que se diluem. (Re)conhecer personagens, explorar dramas, viver as vidas, com suas idas e vindas, chegadas e partidas. Volver retoma a trama melodramática característica dos últimos filmes do diretor e o tom cômico de seus primeiros filmes. Uma mistura bem ao gosto do espanhol, filme colorido, que faz rir e faz chorar. Estar ao lado de Raimunda, Irene, Sole, Agustina e as tantas mulheres de Almodóvar é compartilhar em um universo surreal (ou sobrenatural) as peculiaridades e emoções que a vida tem para oferecer a elas. Mas Almodóvar faz do espectador personagem e nos coloca em uma trama cheia de intrigas e especulações, menos importantes que o contato com o outro e a relação afetiva que os unem. Afinal, como não reconhecer o cheirinho do peido de nossas mães? (Raphael Mesquita)

– leia aqui a crítica do filme –

 

 





2046, de Wong Kar-wai


Amantes Constantes, de Philippe Garrel


Caché, de Michael Haneke


O Cèu de Suely, de Karim Aïnouz


Miami Vice, de Michael Mann