O
filme que uma centena de pessoas vimos anteontem no
auditório do Ministério da Educação
– O Mestre de Apipucos e o Poeta do Castelo –
inaugura uma iniciativa muito louvável de José
Renato Santos Pereira, Diretor do Instituto do Livro,
qual seja a de fixar pela imagem e pela voz a personalidade
dos nossos escritores. Não é só
para a posteridade que se está trabalhando assim:
é desde logo para o presente: os que vivem nos
Estados e se interessam pela literatura poderão
de hoje em diante tomar contato mais vivo com os nossos
homens de letras. Não sei se a filmoteca do Instituto
do Livro se estenderá também a músicos
e artistas plásticos. Deveria, aliás,
estender-se a todos os setores da cultura. Pena é
que não se tivesse pensado nisso mais cedo; que
Mário de Andrade, Jorge de Lima, José
Lins do Rego, Roquette Pinto, tantas outras figuras
ilustres tenham morrido, sem que tenhamos guardado num
filme um pouco da sua vida de todos os dias.
Gilberto Freyre não gosta que lhe chamem o mestre
de Apipucos. Parece ver no título uma ironia.
Mas o fato é que mestre ele é e em Apipucos
mora. Que bonita propriedade a sua, essa rústica
chácara com um sobradão que já
foi casa-grande de engenho! Tenho esperança de
um dia a conhecer de corpo presente, mas enquanto a
oportunidade não vem, que prazer foi para mim
ver pela imagem tudo aquilo, acompanhar o amigo no seu
passeio matinal, observar-lhe a curiosa maneira de trabalhar,
não sentado a uma secretária, mas derreado
na mangalaça de uma poltrona e dir-se-ia que
meio assistido por um gatinho adorável, a-do-rá-vel.
Em certas tomadas o mestre está muito natural
– quando trabalho, quando conversa com o cozinheiro,
quando faz a batida; em outras deixa-se dominar por
aquela self-consciousness que julgo ser castigo
de Deus para o seu gosto de gozar os ridículos
alheios. Em suma, para quem nunca teve trato pessoal
com o mestre, o filme apresenta o homem em toda a sua
verdade.
Creio que o mesmo se pode dizer da parte que me toca.
Senti-me devassado na tarde de anteontem, e de noite
não dormi bem, a minha própria imagem
me perseguia. Fiquei também bastante vaidoso,
meio compenetrado de que tenho um enorme talento para
ator e de que Hollywood não sabe o que está
perdendo na sua ignorância de minha existência.
O roteiro e a direção desse filme é
de um rapaz curioso, Joaquim Pedro de Andrade, filho
de Rodrigo M.F. de Andrade e meu distinto afilhado,
fez um ótimo curso de Física na Faculdade
Nacional de Filosofia, já estava bem encarreirado
na profissão, e de repente larga tudo para se
entregar de corpo e alma ao cinema. Essa película
é o seu Opus 1. Pode-se-lhe fazer aqui
e ali alguma crítica. Em conjunto, saiu-se esplendidamente.
O filme está, do começo ao fim, bem estruturado,
o ritmo das seqüências não trasteja
nunca, o interesse do espectador mantém-se constante.
Joaquim Pedro já é um valor em nosso cinema.
A ele e aos seus companheiros de equipe os meus parabéns.
Manuel Bandeira
(publicado originalmente no Jornal do Brasil,
em 15 de novembro de 1959)
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