AS AVENTURAS DE JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE NO FABULOSO MUNDO DAS PORNOCHANCHADAS

Guerra Conjugal e o episódio Vereda Tropical são filmes irmãos por uma vasta gama de motivos. Talvez o maior deles, ou ao menos o primeiro que encabeça a lista de parentescos, seja a conversa que os dois filmes promovem com um certo gênero cinematográfico então em seu auge no Brasil: a pornochanchada. Joaquim Pedro de Andrade compreendeu a comédia erótica brasileira como um fenômeno cultural de massa que, "independentemente de seu conteúdo machista, reacionário e de seu esquema que seguia sempre o mesmo fio narrativo", foi importante "para a conquista do mercado e para manter um diálogo com o público". O objetivo de Joaquim Pedro ao penetrar através desses dois filmes no gênero pornochanchada é justamente esse: estabelecer um efetivo contato com o público popular. Para realizar uma aproximação com esse público é preciso, antes de tudo, conhecê-lo. E para conhecê-lo é obrigatório compreender o que ele está acostumado a consumir. Se o grande público está habituado a consumir pornochanchada, é necessário compreender o seu mecanismo. Ao invés de desprezar radicalmente o que a massa constantemente consome e tentar impor um produto cultural que ela certamente rechaçará, a estratégia aqui adotada por Joaquim foi a de entrar no padrão de consumo do espectador comum.

Chegar ao espectador comum, ao espectador que compõe a massa ou ao espectador popular é o principal objetivo. É preciso fazer com que esse espectador entre na sala de cinema. A estratégia parte daí. É necessário que ele pague o ingresso, que sente confortavelmente na poltrona e que pense que está vendo mais um produto da leva de filmes que ele está acostumado a assistir. Foi desse modo que o espectador comum entrou na sala de cinema para ver Guerra Conjugal e o filme em episódios Contos Eróticos. Ele pagou o ingresso para ver uma pornochanchada, foi esse o motivo que o arrastou para o cinema. Concretizado esse primeiro movimento, o de atrair o espectador para as salas, o passo seguinte é fazer com que ele não pense que comprou gato por lebre. O processo de seduzir o espectador ainda não se finalizou. É importante que o espectador se sinta "em casa". Ele precisa se sentir confortável, acolhido e bem abrigado. Só depois do espectador estar devidamente instalado e bem acomodado pelo espetáculo que lhe está sendo proporcionado é que é oportuno a entrada das primeiras "rupturas" ou os primeiros "ruídos". O espectador precisa estar aberto e disponível para entrar no jogo. Só desse modo que ele estará apto para jogar. Aqui, não se tratava mais de obrigar o espectador a jogar um jogo que ele não conhecia ou que ele não estava disposto a aprender e sim de jogar o seu próprio jogo. Joaquim Pedro se propõe a jogar o jogo do espectador para assim, gradualmente, modificar as suas regras. Todo gênero cinematográfico é um tabuleiro repleto de peças e cada uma delas possui a sua específica função. As regras são claras. A pornochanchada, como qualquer outro gênero, apresenta a sua lógica interna, o seu sistema, as suas linhas e os seus trunfos. O jogador Joaquim Pedro para seduzir o espectador deverá utilizar esses trunfos a seu favor. E quais são os trunfos ou os elementos de atração da pornochanchada? O sexo e a nudez feminina. E qual é o espaço onde o sexo e a nudez da mulher se realiza? No seio da família de classe média brasileira. E quais são os seus personagens característicos? Eles são vários e compõem uma rica fauna, como inventariou Ruy Gardnier em um artigo já publicado na Contracampo. Joaquim Pedro então se muni de todos esses clichês: o habitat natural da pornochanchada, a sua curiosa fauna, as suas cores, o seu linguajar, o seu gestual e a sua atmosfera. O autor executa um verdadeiro salto ornamental em direção ao gênero, tentando cair dentro de suas vísceras. Tal operação de mergulhar de cabeça na pornochanchada automaticamente implica no contato direto com a sua ideologia e é justamente aí que o "autor" irá aparecer.

Muito já se falou da conflituosa e íntima relação estabelecida entre a pornochanchada e o regime militar. José Carlos Avellar em seu texto Teoria da Relatividade expôs a tese de que a pornochanchada, assim como a censura, era filha legítima do sistema opressor. As duas seriam irmãs gêmeas xifópagas, duas cabeças comandadas por um mesmo corpo - uma legitimando a presença da outra. A pornochanchada justificaria a ação da censura e vice-versa. Em Guerra Conjugal, Joaquim Pedro faz a mesma leitura. Ele associa o gênero com o regime em vigor. Criticando a pornochanchada, ele estaria criticando o sistema que a gerou. Se a pornochanchada era uma repetidora do discurso oficial, filtrado pela "grosseria" de sua estética, como apontou Avellar, ela também era um registro da sociedade brasileira de então. O personagem típico do "garanhão" era um ser autoritário e poderoso. A sua motivação básica como personagem era comer o maior número possível de mulheres. O sexo é visto como uma relação de poder e dominação. O poder do homem sobre a mulher e o do patrão sobre a empregada doméstica e/ou a secretária. Quem não apresentava o poder centralizador do sexo era um fracassado, como é o caso dos personagens que fazem oposição ao garanhão: o corno, o velho impotente e a bicha. Fazendo par com o garanhão na sua ânsia de fazer "vítimas" através do sexo encontramos o personagem da esposa infiel/viúva/prostituta. E o tipo que lhe contrapõe é o da virgenzinha imaculada. Esta tem em seu hímen o seu principal trunfo e o alvo predileto do garanhão. A sociedade brasileira retratada pelas pornochanchadas é uma sociedade reinada pelo culto ao individualismo, ao hedonismo e ao poder. E nesses filmes, estar no poder é estar, em todos os sentidos, por cima do outro.

A questão do poder e da dominação de um homem ou de uma classe social sobre outra interessa a Joaquim. Partindo de 16 contos coletados em 6 livros de Dalton Trevisan - Novelas Nada Exemplares (1959), Cemitério de Elefantes (1964), O Vampiro de Curitiba (1965), Desastres do Amor (1968), A Guerra Conjugal (1969) e O Rei da Terra (1972) -, o realizador monta a sua incursão pela classe média brasileira dos anos 70. E o que há de comum entre a classe média retratada na obra de Trevisan e a registrada pelas pornochanchadas? A relação de poder. Os personagens de Dalton Trevisan são pessoas que experimentam a dor do dia a dia. O ambiente doméstico é um campo de batalha reduzido. A crueldade está presente nas pequenas coisas. Nas coisas simples da vida. A opressão está no banal. As relações afetivas estão infectadas. Não há afeto sem algum resquício de podridão. Existir é ser oprimido ou oprimir. O cotidiano é sorvido como uma sopa que pode ou não conter vidro moído. Os personagens daltonianos apresentam um grande vazio existencial e por isso estão sempre à procura de algo que os complete. Entregam-se a relações amorosas doentias, ao sexo sem prazer e ao consumismo. São seres fracassados por excelência. Dão murro em ponta de faca, circulam no escuro, não saem do mesmo lugar. São seres estagnados. Joaquim Pedro encontrou nesse conjunto de contos um rico material e um passaporte para explorar o imaginário/iconografia da classe média, via pornochanchada. Tendo uma fonte literária e um gênero cinematográfico prontos, agora era só fazer a operação de encaixe. Nelsinho, o Vampiro de Curitiba, de Trevisan, é análogo ao tipo do garanhão. Também configura na matriz literária a presença do patrão, do corno, da bicha, da empregada, da mulher infiel e da virgem. A transfiguração de linguagem dos contos para o cinema se alojou perfeitamente no gênero pré-estabelecido como modelo. Joaquim foi ao mesmo tempo "fiel" a Trevisan e fiel ao molde do gênero que escolheu para instrumentalizar.

Mas como é desenhado o poder em Guerra Conjugal? De que forma o filme retrata as relações afetivas? Da mesma maneira das pornochanchadas tradicionais? A resposta para a última pergunta é sim e não. Os três personagens masculinos: Joãozinho (Jofre Soares), Osíris (Lima Duarte) e Nelsinho (Carlos Gregório) começam aparecendo como detentores do poder e guardiões da ordem vigente. Como apontou Sergio Botelho do Amaral em seu trabalho monográfico Guerra conjugal: uma batalha de Joaquim Pedro de Andrade, os três personagens, mais do que representarem tipos característicos da pornochanchada, estariam se servindo de símbolos da ideologia dominante, no caso, de uma entidade que dava sustentação ao regime militar: a TFP (Tradição, Família e Propriedade). A leitura de Sergio Botelho não se propõe a especular o uso estratégico e instrumental da pornochanchada por Joaquim Pedro e sim a investigar as alegorias e símbolos manuseados com o objetivo de concretizar uma contundente crítica ao regime. O filme está repleto de símbolos que remetem diretamente ao ideário propagado pela TFP. A sua iconografia foi cuidadosamente pesquisada e trabalhada pelo realizador. Dessa forma, Joaquim objetivava proporcionar duas possibilidades de leitura, uma que agradaria o espectador comum do gênero e outra que realizaria uma crítica a ideologia dominante, sendo essa compreendida apenas pelo espectador "culto".

De fato, a crítica direcionada à ditadura militar em Guerra Conjugal é velada e alegórica, como não poderia deixar de ser. Além de símbolos da TFP, o trabalho de Sergio Botelho desvenda a ligação que as seqüências de conquista e de relações familiares estabelecem com os processos de coação, interrogatório, tortura e julgamento sumário. As opções de montagem, de tratamento da imagem, de direção de arte e de direção de atores estariam entrelaçadas para esse mesmo fim, o de proporcionar analogias com os diversos métodos de coação. Portanto, através dessa leitura mais do que simplesmente objetivar "abater lebres" os garanhões Osíris e Nelsinho estavam defendendo um projeto de nação. Mas os garanhões das pornochanchadas canônicas, inconscientemente ou não, também não estavam fazendo isso? Independentemente das associações que podemos fazer entre os ambientes de Guerra Conjugal e os cárceres, as salas de interrogatório e tortura da ditadura militar, o uso do poder no filme é similar ao da maioria das pornochanchadas clássicas. Osíris investe em três vítimas dentro de seu escritório de advocacia, espaço em que ele dita as suas regras. A primeira é uma "quase" virgem em busca de vingança, a segunda é uma empregada e a terceira é uma esposa fogosa. O advogado deseja comê-las, devorá-las em nome da sociedade falocêntrica e patriarcal. Perfeitamente dentro das linhas do gênero. Joaquim brinca com isso para "ganhar" o espectador. Ao invés de ser um escravo do espectador, oferecendo-lhe somente o que ele deseja, o realizador o seduz dando primeiro o que ele quer, para depois tirar. Assim, o espectador se deixa identificar com Osíris, Nelsinho e também de certa forma com Joãozinho, o velho truculento que domina a esposa.

Em um segundo momento, essa identificação se apaga. Ela desmorona como um castelo de cartas. Joãozinho é derrotado pela esposa, Nelsinho é gradualmente humilhado na sua posição de "macho" e Osíris se transforma na conquista de um amigo homossexual. Os seus papéis de dominadores são invertidos ou eliminados. Lúcia (Maria Lúcia Dahl) ao invés de ser devorada, devora e faz Nelsinho fracassar. A sua cama em forma de boca escancarada indica o seu autêntico objetivo. Ela almeja subverter a ordem estabelecida e destruir a base do nosso "herói". Sendo bem sucedida em seu empreendimento, ela ainda não perde a oportunidade de debochar e ironizar o seu oponente. Osíris que antes era tão indestrutível e seguro de si aparece pela última vez no filme sendo chamado de "bicha louca". Joãozinho vê o seu projeto ser destruído, morre antes de Amélia (Carmen Silva) e ela, vitoriosa, planeja a compra de uma dentadura. Subvertendo a ordem propagada pelos homens ou os substituindo em seus papéis (como é o caso de Amália), o fato é que são as mulheres que vencem.

A vitória das mulheres e a progressiva desmoralização do personagem do garanhão não são os únicos indícios que comprovam a inversão da moral típica das pornochanchadas. Essa moral é, ao longo do filme, sutilmente desconstruida. Além de prever a queda dos nossos heróis, nós começamos a questionar a relevância de suas ações. Nós, espectadores, somos levados a questionar esses personagens e a criticá-los. Nós não torcemos mais por eles. Conjugado à comicidade das situações está um clima de desconforto. O espectador simultaneamente acha graça da encenação e prova uma sensação desagradável. A partir de um determinado momento da projeção de Guerra Conjugal, o tom predominante é áspero, pesado e pouco alegre. É certo que o estranhamento sentido pelo espectador ao ver o personagem do "machão" se enroscar com uma gorda de 90 quilos ou com uma velha de 70 anos, ao invés de uma linda mulher, já ocorria nas outras pornochanchadas. A mesma gorda de Guerra Conjugal, Wilza Carla, já tinha aparecido em vários filmes do gênero. A deformação dos corpos, a desproporção das formas, a escatologia e o uso do "não erótico" por excelência eram expedientes comuns, principalmente nas pornochanchadas da segunda metade da década de 70. Joaquim Pedro estava atualizado com o gênero. O uso de Wilza Carla e o da velha na seqüência final não era uma "transgressão" e sim uma adesão. A diferença está não na aplicação desse estranhamento e sim na forma de aplicá-lo. A supressão do erotismo nessas seqüências de Guerra Conjugal não está na busca de uma estética do "mau gosto", "tosca" ou "grosseira". O aspecto de "mal feito" contido nesse conjunto de filmes em muitos casos não era um efeito de seus precários sistemas de produção e sim um resultado almejado. O acabamento "grosseiro" das pornochanchadas era também um elemento de atração para o espectador. Ele assim surge em: Costinha, o Libertino (Dir: Victor Lima, 1974), As Massagistas Profissionais (Dir: Carlo Mossy, 1976) e Seu Florindo e suas Duas Mulheres (Dir: Mozael Silveira, 1978), para citarmos alguns exemplos.

Aqui, Joaquim Pedro não busca atrair o espectador pela via do tosco e sim pela construção do kitsch. A iluminação e a cenografia não estavam atrás de um resultado final capenga. Eles estavam atrás da elaboração do "cafona" e do "brega" de uma maneira diluída, discreta e perceptível, sem no entanto saltar aos olhos. Desde os créditos de abertura percebemos a procura por essa textura. O espectador encontra aqui uma "cor" e um "entorno" que lhe é familiar através desses recursos cênicos. O desleixo (ou a fabricação do desleixo) é deixado de lado. A decupagem é cuidadosamente trabalhada. Em Guerra Conjugal, o estranhamento e a busca pelo progressivo desconforto do espectador foram rigorosamente planejados. O inusitado e aleatório chute de Nelsinho na pança do cachorro, a avó cega (Elza Gomes) colocando lentamente a mão no pênis de Nelsinho, Osíris e Olga (Ítala Nandi) fazendo sexo ao lado do marido morto, o riso triunfante e desdentado de Amélia com a boca borrada de batom: todas essas imagens não foram gratuitas e sim completamente medidas e estruturadas. O mal estar provocado por essas imagens seguiu uma lógica e uma progressão calculada. Esse método não só colocou o espectador em um novo rumo como também o fez refletir sobre as principais questões colocadas pelo filme: o peso das convenções sociais, das regras morais, dos preconceitos e das normas de conduta ordenadas pela sociedade. Fazer sexo é um ato clandestino, se ele for feito fora dessas rígidas regras impostas. Sexo pode ser crime, pode ser pecado. Pode produzir culpa e arrependimento. Essa visão será reavaliada em Vereda Tropical.

No episódio Vereda Tropical não encontramos a presença da coação e do poder. No lugar de pecado e culpa, nos deparamos com a liberdade das taras sexuais. Vereda Tropical é antes de qualquer coisa, um filme a favor da realização de todas as fantasias sexuais. As fantasias existem para serem executadas no plano real. Não existem rédeas para a imaginação, principalmente para a imaginação sexual. O sexo é aqui visto como algo positivo e lúdico. O professor universitário interpretado por Cláudio Cavalcanti não é retratado como um tarado ou um anormal. Ele é apenas um "caipira" ingênuo e sem muita experiência que, por preguiça de correr atrás das mulheres ou pela falta de tempo de sua vida acadêmica, prefere se entreter com frutas tropicais. É sabido que as frutas de um modo geral tiveram uma grande importância simbólica no mundo das pornochanchadas. Em Vereda Tropical a fruta, no caso, a melancia, apresenta um papel fundamental, chegando quase a se transformar em uma protagonista.

O insólito da situação – fazer sexo com uma melancia – é explorado em todo seu aspecto cômico, chegando até a genial gag visual de brincar com os planos ponto de vista da melancia sendo penetrada e do pênis que a penetra. A comicidade se mantem firme nos didáticos diálogos do professor com uma aplicada aluna (Cristina Aché). Na barca, durante o trajeto Paquetá – Rio, ele explica à jovem como se deu o inicio de suas aventuras no fabuloso mundo dos hortifrutigranjeiros. Ele já tinha tentado berinjela, abóbora, melão, até se comprometer seriamente com as melancias. Esse compromisso não seria uma oposição às delícias da variedade: "cada melancia é uma melancia diferente".Continuando a sua explanação enquanto transita pela barca, o professor se depara com um garoto. Ao vê-lo, diz para a sua amiga: "vamos sair de perto desse menino". Aí, Joaquim brinca com a idéia de que só um determinado tipo de espectador poderá usufruir o conteúdo de seu filme: o que tem mais de 18 anos. O autor, ao mesmo tempo em que brinca com a censura, explicita a escolha de seu destinatário: o público adulto das comédias eróticas arrasadoras de bilheteria. É ele que pode ouvir e ver "sacanagem" - e no caso de Vereda Tropical ele mais ouve do que vê. Ao contrário de Guerra Conjugal, o filme não tem cenas de nudez feminina e as fantasias sexuais expostas nos diálogos são ditas sem o uso de um palavrãozinho sequer. Sem nudez, sem simulações de sexo e sem palavrão, Vereda Tropical seria uma pornochanchada "comportada"? De bem comportado o curta não tem nada e foi por isso mesmo que ele foi o único episódio censurado do longa Contos Eróticos. Mesmo sem utilizar os recursos atrativos do gênero, o episódio foi cortado praticamente na íntegra, deixando os censores liberado apenas o número musical final com Carlos Galhardo. Mesmo não tendo encontrado algum conteúdo político camuflado, os censores deveriam ter achado que era melhor por "via das dúvidas" picotar o filme. Talvez algum deles tivesse conhecimento do histórico do realizador. O fato é que a política em Vereda Tropical está no modo de como ele defende a liberdade sexual. O seu ar libertário reside justamente aí. Para falar sobre sexo ou para fazê-lo não precisa haver neuras. O filme defende tanto a ausência delas que nem se propõe a explorar o tema da solidão. O professor faz o seu sexo solitário com as melancias numa boa, sem nenhum problema ou angústia. Não é a solidão que explica a sua predileção. Ele não é um ser terrivelmente sozinho. Ele tem a companhia da doce aluna para desfrutar. E também em nenhum momento ele afirma ser definitiva a sua atual opção sexual. A sua prática sexual é algo que ele está fazendo no presente, no aqui e agora, não é algo que o proíba de investigar novas experiências.

No seu passeio de bicicleta com Cristina Aché isso fica evidente. Essa seqüência começa com os dois andando de bicicleta em silêncio. No áudio ouvimos esse trecho da canção de Galhardo: Esquece por um momento os teus cuidados / e passa o teu domingo em Paquetá / aonde vão casais de namorados / buscar a paz que a natureza dá...

O trecho da música pinta a união de dois seres humanos (um casal de namorados) em contato com a natureza (esta representada no filme por legumes e frutas) E essa é justamente a conclusão chegada pelos protagonistas. A amiga pergunta:

Mas você acha que tem que ser solitário mesmo, só uma pessoa e uma fruta ou só uma pessoa e um legume?

O professor responde dando três possibilidades de combinação e em nenhuma delas configuram a participação de duas pessoas. Ela então sugere:

A mulher com dois legumes e o homem com uma fruta e com um legume.

A jovem pela primeira vez cogita com seu amigo a junção de um homem e de uma mulher em um mesmo espaço com os "brinquedos sexuais", embora o casal ainda não esteja interagindo entre si. O caipira perde sua timidez e diz:

Não, nada disso, acho que o negócio é eu , você e os hortifrutigranjeiros.

Pode? (ela diz)
Por mim, tudo bem.

Pronto, o personagem vai fazer amor com a sua amiga confidente. Os dois ainda trocariam duas frases:

E tem alguém te esperando em casa?
Tem uma melancia ... Pela metade.

Só a mulher poderá completá-la. Embora Vereda Tropical advogue e incentive a exploração de todas as fantasias sexuais, solitárias ou não, o amor só poderá se concretizar plenamente com a conexão, a junção, a fusão e a troca de fluidos entre dois seres. E é isso que os personagens vão fazer.


Estevão Garcia