Plataforma de Jia Zhang-ke
A equipe de redação da Contracampo oferece para o segundo semestre cursos sobre história do cinema mundial, história do cinema brasileiro e oficinas de crítica.
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DVD/VHS aproveita o lançamento de uma série
de DVDs de Akira Kurosawa e monta um dossiê. Ainda: Daisy Miller de Peter Bogdanovich, Rio Lobo de Howard Hawks, dois filmes de Jingle Ma e textos sobre o cinema de Frank Oz
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Zeca Camargo fazendo turismo no "Fantástico", o premiado seriado Angels in America e os filmes da semana na tv a cabo s�o os destaques na se��o de Televis�o.
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Cinema político, políticas de cinema

Se toda ação humana é em si política, sempre nos pareceu em Contracampo muito empobrecedor o conceito de "cinema político". Se (quase) todos os filmes lidam com a relação entre pessoas e supõem o contato dessas pessoas através de códigos de valores socialmente partilhados, é fácil entender de uma vez por todas que todo cinema é político. Se alguns são mais facilmente reconhecíveis e classificáveis como tal � filmes que lidam de forma direta com a "coisa pública" ou com instâncias de decisão e injustiça social �, isso não implicará jamais que sejam mais eficazes na sua permanência no mundo para fora da tela � no seu efeito, afinal, político (vale lembrar, "político" vem de polis, que significa cidade e, por extensão, a sociedade).

Coincidentemente, neste mesmo mês, dois eventos movimentaram um possível circuito do cinema mais rasteiramente visto como político: o lançamento de Fahrenheit 11 de Setembro, de Michael Moore, e a mostra de "cinema engajado" (outro termo complicado toda vida) De Olhos Bem Abertos, no CCBB-RJ. Ambos repercutiram na revista ao longo do mês: o primeiro, numa longa troca de comentários calorosos entre redatores e leitores no nosso Contra-blog (a partir do texto publicado na seção de Críticas); e o segundo numa cobertura simultânea também sediada no Plano Geral. E ambos continuam sendo parte desta edição, em textos que repensam aspectos importantes, em especial a partir de três realizadores fundamentais que a mostra do CCBB nos permitiu assistir: o francês Chris Marker, o cambojano Rithy Pahn e o boliviano Jorge Sanjinés, que foi brindado com uma retrospectiva de sua pouquíssimo vista obra (toda ela exibida em vídeo), que agora analisamos juntamente com uma entrevista possibilitada por sua presença no Brasil.

No entanto, como a ilustração ao lado permite ver, Contracampo acredita que os maiores exemplares de cinema político exibidos no Brasil no mês talvez não sejam tão facilmente categorizados como tal: estreou, após dois anos de geladeira, um dos filmes mais importantes do cinema mundial recente � Plataforma, de Jia Zhang-ke. Atitude política é afirmar a necessidade de se conhecer e discutir o cinema deste jovem realizador chinês, que a revista discute mais a fundo após a publicação de crítica do filme. Mas também há um outro realizador cujo olhar (político) sobre o mundo � novesfora a sua e todas as artes � nunca deixou de nos surpreender e maravilhar: o franco-suíço Jean-Luc Godard, cujo grandioso Passion foi relançado nos cinemas e é alvo de análise também. Em ambos os casos, aliás, os filmes só entraram em São Paulo: política de cinema mesmo seria levar estes filmes fundamentais às outras cidades do país. Finalmente, "cinema político" não é só "cinema de esquerda" como se costuma confundir: afinal não há filme mais obviamente político � mesmo que se imiscua como tal � que o recém-lançado (este sim em circuitão nacional, lógico) Olga, de Jayme Monjardim, cujas implicações estético-temáticas também destrinchamos este mês.

Só que neste último exemplo não é só um cinema político que se anuncia, e sim toda uma política de cinema. É, assim, muito sintomático o lançamento deste filme quando o meio cinematográfico brasileiro encontra-se em polvorosa por conta do anúncio de um novo projeto de lei para regular o setor audiovisual. Quando armas se levantam de parte a parte, Contracampo assume um papel que desempenha sempre que necessário � vide a infame querela acerca das cópias do MAM � e, ao mesmo tempo em que continua a analisar os filmes, também trata de questionar os mecanismos econômicos e políticos de incentivo e fomento que dão forma à produção audiovisual brasileira � coisa que, mesmo lateralmente, também sempre nos interessou. A questão deste projeto de Lei e da criação da Ancinav � além do exagerado escândalo perpetrado por certos setores de nosso audiovisual para afundar o projeto antes mesmo de ele ser discutido � são os pontos mais importantes do debate do cinema no Brasil no momento. Por isso mesmo, decidimos não só fazer um esforço compreensivo de tentar começar a interpretar as ações (e as correspondentes reações), como alterar a lógica da revista neste mês, atualizando esta pauta quase que diariamente com o andamento dos processos e suas repercussões no meio do cinema nacional.

Que a logomarca do Governo Federal pendente à esquerda deste editorial não se preste a dubiedades: Contracampo é uma revista isenta e independente, autopautada, que estabeleceu convênio no começo deste ano com o Ministério da Cultura. No entanto, isso nunca significou uma "oficialização" da revista: continuamos discutindo e criticando tudo e todos que se achasse necessário � inclusive o próprio Governo na sua política cultural. Dedicar pauta e espaço à discussão do projeto de Lei e às reações a ele não é nenhuma "contrapartida", e tampouco o famoso tapinha nas costas tão comum e disseminado em nossa comunidade cinematográfica nacional. Se neste momento optamos por tomar voz na questão da regulação do audiovisual, é porque essas decisões incidem diretamente naquilo que mais nos interessa: na capacidade cada vez maior de o cinema continuar a nos maravilhar, que novos e melhores artistas tenham melhor acesso para fazer melhores filmes, e para que esses filmes tenham visibilidade para além de um elitista circuitinho que cada vez mais revela sua falta de ousadia.

O que se impõe aqui é a defesa não de um determinado projeto (no caso, esta minuta de Lei) e sim o fato de que o setor precisa ser regulado, sob risco de acharmos que a produção e o acesso à cultura no Brasil andam às mil maravilhas. É importante deixar bem claro, portanto, que Contracampo não é "orgão oficial"; mas, como todo o meio do cinema brasileiro (reforçando: brasileiro!), como fica claro na pauta aqui exposta, acredita que se faz necessária e urgente (há mais de cinquenta anos, como os anais do Congresso Brasileiro de Cinema provam) uma ação sobre os mecanismos gerais deste setor. Ademais, é difícil se falar em "órgão oficial" quando um único jornal � que coincidentemente também é rede de televisão, de rádio, de internet... � afirma defender os interesses "públicos" e "do público" sobre área que afeta diretamente empresas do mesmo grupo de que faz parte.

Boa leitura, então, e boa política

     
  Eduardo Valente e Ruy Gardnier