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Não é
raro ouvirmos dos leitores ou dos amigos (e muitas vezes de
ambos) a piada/comentário: "mas só tem bolas
pretas no quadro de cotações - vocês não
gostam de filme nenhum?" Por um lado muito engraçada,
a observação nem chega a se sustentar de todo
- basta ver, por exemplo, a quantidade razoável de
filmes "destacados" na seção de críticas
(de minha parte é mais comum me perguntar se não
estamos sendo lenientes demais com a produção...).
Mas, tirando os exageros de parte a parte, o fato é:
o início deste ano, salvo as exceções
louváveis (em especial Encontros e Desencontros),
se mostrava especialmente fraco nos lançamentos cinematográficos
em terra brasilis - se falarmos do cinema nacional então,
o ano nem parecia ter começado ainda. Alguns filmes
de interesse sim, mas nenhum dos que costumam virar nossa
cabeça e fazer afirmar, já nos primeiros meses
do ano, "Este está garantido na lista dos melhores
do ano!"
Pois os ares de abril fazem isso tudo
mudar, em grande estilo: pelo menos três filmes especiais,
daqueles que nos lembram o porquê de nos dedicarmos
com tamanha paixão à arte cinematográfica,
estréiam quase que seguidamente nos cinemas brasileiros
(poderiam ser quatro, só que Intervenção
Divina, por enquanto, fica restrito aos paulistanos).
É verdade que dois destes filmes causaram seu primeiro
impacto na redação ainda em 2003, nas suas passagens
pelos festivais de cinema. No entanto, é a estréia
comercial (pelo conseqüente aumento da visibilidade e
disponibilidade do filme aos espectadores) que nos faz datar
os filmes quanto a considerações do tipo da
"listagem de melhores". Por isso, resolvemos dedicar a edição
deste mês tão especial a um esforço maior
de compreensão e resposta a estes filmes, movimento
começado com o filme de Sofia Coppola há dois
meses, e que queremos tornar constante na revista (tão
constante quanto o calendário de estréias permitir,
é claro).
Também é importante
fazer este movimento por um motivo político: não
aceitamos a tese de que o melhor cinema é "aquele que
já foi feito". A nostalgia dos que cismam em localizar
o cinema como uma arte morta passa longe da Contracampo, onde
acreditamos que ainda se faz cinema de enorme relevância,
impacto e beleza em todas as partes do mundo - de Hollywood
aos rincões mais inesperados. Por isso, depois de passarmos
uma edição olhando para a carreira de um dos
principais gênios do cinema nacional, infelizmente recém-falecido
(e que volta à pauta na edição 60, com
a continuação do seu dossiê), era mais
do que importante, segundo nossas crenças, dedicar
uma edição ao cinema de hoje, ao melhor cinema
que se faz no mundo.
Para isso, vamos a estes três
filmes tão especiais e distintos: Elefante,
de Gus Van Sant, filme grandioso, cujo menor dos méritos
é ter ganho Palma de Ouro e prêmio de Direção
em Cannes; O Prisioneiro da Grade de Ferro (auto-retratos),
de Paulo Sacramento, que vem fazer companhia à obra
recente de Eduardo Coutinho como os documentários realmente
essenciais produzidos no Brasil nos últimos anos (toda
onda do tal "boom" de produção é muito
mais numérica do que cinematográfica); e, finalmente,
Kill Bill - Volume 1, a volta à direção
de cinema de Quentin Tarantino, após sete anos de intervalo,
e que, de tão demorado lançamento no Brasil,
se tornou o maior caso do ainda a ser melhor desvendado fenômeno
do "download" de filmes (mas o trabalho magistral de câmera
e fotografia em scope do filme torna quase pecaminoso o ato
de assisti-lo pela primeira vez numa tela de computador ou
TV). Tentamos nos aproximar de cada filme de maneira diferente,
não só pelo que o filme pedia, mas até
pelas circunstâncias da própria revista. Por
isso, no caso de Gus Van Sant, cuja carreira já havia
sido foco da seção de DVD, nos ativemos mais
ao filme agora em questão, com várias análises
deste sob pontos de vista diferentes (e raros são os
filmes ricos ao ponto de não se esgotarem em um ou
dois textos); no caso de Sacramento, a proximidade maior nos
permite o contato pessoal e a entrevista para desvendar com
o autor este primeiro longa; e no caso de Tarantino, cujo
último lançamento era anterior à criação
da Contracampo, um olhar mais retrospectivo para sua carreira
como um todo (até porque dos três é o
filme que ainda não está a disposição
do público na data de entrada da edição
no ar - o lançamento acontece no dia 23 de abril, quando
entrará na seção de críticas o
texto da redação sobre o filme novo). É
um enorme prazer ver três filmes entrando em cartaz
e dando tamanho pano para mangas de vários tamanhos
e modelos, reafirmando a vitalidade desta arte para lá
de centenária.
Mais para a frente no mês, entra
a seção nova de DVD-VHS, olhando para a controversa
carreira de um cineasta igualmente contemporâneo, o
americano Larry Clark. E no mês que vem, além
da prometida volta a Sganzerla, um olhar mais aprofundado
(como aperitivo entra no Plano Geral um texto do seu colega
Edgar Morin) sobre a obra de outra inestimável perda
recente do cinema mundial, Jean Rouch (de quem o festival
É Tudo Verdade finalmente nos permitiu ver em cinema
um pouco da grandeza). Mesmo o festival tendo acabado pouco
antes desta edição ir ao ar, o cinema de Jean
Rouch não pede análises ligeiras nem imediatistas
- por isso voltamos à ele em maio. Até lá,
boa leitura e melhores idas ao cinema - seja o que se fez
ou o que se faz.
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