Não obstante a
alta qualidade da seleção de Brasília,
sabe-se que Rogério Sganzerla venceu bem o IV
Festival do Cinema Brasileiro com seu Bandido da
Luz Vermelha. Em suas declarações
a nossos colegas no Jornal do Brasil, Rogério
Sganzerla – nascido em Joaçaba, Santa Catarina,
em 1946 – disse acreditar que seu filme contém,
"principalmente, uma reformulação
formal dentro do cinema brasileiro. Chegou a hora dos
filmes sujos e poéticos, impuros e pretensiosos,
das formas novas para novos conteúdos. De um
cinema de linguagem que falasse da política ou
de banditismo sem respeito estético, adotando
inclusive – como Gustavo Dahl em O Bravo Guerreiro –
uma liberdade obsena".
Um fenômeno de
precocidade
Rogério Sganzerla
apeoximou-se do cinema ainda garoto.
– Aos doze anos, escrevi
meu primeiro roteiro; e era um roteiro de longa-metragem.
Como crítico e
como cineasta, Sganzerla filia-se claramente às
novas correntes que vêm revolucionando o cinema
no mundo inteiro.
– Se faço cinema
no Brasil, então faço Cinema Novo. É
difícil defini-lo, sem dúvida. É
uma igrejinha, mas também um movimento coletivo,
talvez o mais importante da cultura brasileira nestes
últimos vinte anos. Se existe algum lado negativo
então é o caráter sub-literário
e o despreparo de muitos diretores com pretensões
estritamente intelectuais. O filme que sintetiza o Cinema
Novo ainda é Deus e o Diabo na Terra do Sol,
de Glauber Rocha, embora reflita os entusiasmos, as
indecisões e a ingenuidade da primeira fase.
Barravento, do mesmo Glauber, é o melhor
filme baiano. E Terra em Transe abre, com O
Desafio, o novo momento do Cinema Novo. Não
se pode defini-lo: aí está sua força.
Os filmes têm que ser políticos, mas podem
sê-lo de outras maneiras, não somente como
Rocha e Saraceni. Não se pode nem tentar imitá-los.
É preciso que a turminha de hoje, mais nova,
abra os olhos e enverede por outras saídas. O
cinema evolui em meses e mesmo assim está atrasado
em relação às outras atividades
artísticas.
Discordo de um cinema
brasileiro estritamente crítico, realista (no
sentido tradicional) e objetivo, embora respeite certas
opiniões dos lukacsianos. Nossa realidade não
admite cinismo nem constatação seca dos
fatos. O distanciamento e as teorias brechtianas, aplicados
ao cinema, são coisas do passado. Hoje, não
se pode pensar em aplicá-los a nossos filmes.
O cinema brasileiro é um processo naturalmente
cruel: Godard e Rosi precisam ser destruídos
urgentemente. É o novo Cinema Novo quem pede.
Por um cinema imoral
Nas declarações
ao Jornal do Brasil como que completando o depoimento
que me fez há tempos, Sganzerla acrescenta: "O
novo cinema deverá ser imoral na forma, para
ganhar coerência nas idéias, porque, diante
desta realidade insuportável, somos antiestéticos
para sermos éticos. Fiz O Bandido da Luz Vermelha
porque todos os cineastas que admiro fizeram filmes
policiais mas no meio do projeto percebi que não
poderia parar, que tinha de incorporar outros estilos
sem sair da poesia noturna do policial classe B, para
procurar a verdade nos espaços externos do western,
nos interiores pobres da chanchada, na estilização
do musical".
Enquanto esperava sua
vez de fazer cinema, Rogério Sganzerla fez crítica.
– Foi meu meio de dizer
as coisas, de violentar o cinema durante quatro anos.
Hoje, não consigo escrever mais de vinte linhas
sobre um filme; antigamente, escrevia laudas e laudas.
A crítica, agora, para mim serve como política
de cinema; mais nada. Lamento que eu seja o único
de minha geração a interessar-se pela
crítica; todos os outros nem querem saber de
jornalismo e crítica. A crítica brasileira
continua ruim.
Por muitos vietnãs
Para Sganzerla, todos
os jovens "estão um pouco viciados pela
nouvelle vague e seus famosos macetes; aquilo
que todo mundo chama de mise-en-scène".
– Ou seja: a montagem
solta, o estilo documental, os planos-seqüências,
as personagens politicamente indecisas, elegantes e
amorais, a câmera na mão, etc. Ficam só
nisso: o cinema pelo cinema. Godard. Godard é
o primeiro e único capítulo dos novos,
mas precisa ser situado e criticado.
Godard é um intelectual
vítima da sociedade industrial francesa, que
fala de outras realidades. Fico com Pasolini quando
ele diz que "o cinema agora tem que ser bárbaro
e barroco". Glauber Rocha, cineasta brasileiro,
meu irmão, meu semelhante. O cinema brasileiro
nasce com Humberto Mauro, vive com Nelson Pereira dos
Santos, excita-se com Paulo César Saraceni, desespera-se
com Glauber Rocha e morre com todos nós. Godard
falou: "É preciso criar um, dois, três,
quatro Vietnãs cinematográficos".
O cinema brasileiro, mesmo o Cinema Novo, está
se aburguesando; virou cinema novo-rico. Por outro lado,
volta o outro cinema, isto é, o cinema gagá
(de São Paulo, principalmente, de nossos clássicos
expressionistas caipiras).
O cinema do risco
O novo cineasta não
vê muitas perspectivas para os jovens que desejam
fazer cinema no Brasil.
– Mas é preciso
lutar. Estamos aí para isso mesmo. Em verdade,
hoje existem dois cinemas: o novo rico e o cinema de
guerrilha. Nesta última perspectiva é
que se alinha a nova geração. Não
sei bem quem é a nova geração,
mas sei que está aí. Há muito interesse
por parte de gente inexperiente ou quase, em trabalhar
com celulóide, fazer filmes, mudar as atuais
condições do Cinema Novo. Ele está
um pouco desgastado.
E aí está
O Bandido da Luz Vermelha, ganhador do grande
prêmio de Brasília 68. "Se escolhi
o bairro para falar do Brasil", disse ainda Sganzerla
ao JB, "é porque esse bairro se chama Boca
do Lixo. Não é símbolo, mas sintoma
de uma realidade. Dentro de uma sinceridade total, tentei
mentir e dizer a verdade, ser triste e violento, boçal
e sensível, acadêmico e criador. Enfrentei
uma parada diabólica: os maiores riscos para
um estreante na longa-metragem com a simples certeza
de que o cinema brasileiro é o cinema do risco,
onde tudo é possível".
Alex
Viany
(Tribuna da Imprensa, 5 de dezembro de 1968)
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