Depois
de um longo tempo de marasmo, onde, na TV, nada de novo
acontecia e o tal "merchandising social" vinha
ganhando mais espaço como grande solução
para a busca da tal "qualidade", estreou,
essa semana, o programa Tribos (MultiShow), que
promete dar uma arejada em todo o "marketing"
paternalista (que se tornou seu tom padrão).
O programa se propõe a mostrar e conhecer as
diferentes "tribos" do nosso país;
é um assunto bastante complicado, essa divisão
em "tribos" muitas vezes acaba sendo usada
como uma cartilha que as pessoas devem seguir: existem
as opções de modas e a pessoa tem que
seguir uma delas, ou seja, exclusão total da
individualidade, ser humano sendo usado como mera peça
de uma engrenagem. Porém, Paulo Vilhena, apresentador
do programa, conduz tudo de forma admirável;
ele não vai aos lugares com objetivo de traçar
um perfil daquela "tribo", mas sim querendo
conhecer e curtir aquele ambiente. Fica até a
impressão de que existem dois programas: o que
a produção objetiva fazer e o que Vilhena
faz; o Tribos é todo dividido em subtítulos
(como: "o baile", "o DJ", "a
roupa"), querendo traçar o tal perfil único
e Vilhena até conversa sobre isso, mas a forma
que ele ouve várias pessoas, várias opiniões
totalmente opostas, sem julgá-las, num objetivo
único de ouvir pessoas e aproveitar todo aquele
"circo", acabam tendo resultado oposto, sendo,
não uma construção de perfil, mas
uma construção de possibilidades.
* * *
Mas para não fugir do mesmo , a última
semana foi também o grande palco para o super-evento
Senna In Concert. Todo programa foi construído
com o objetivo da retomar a construção
do mito televisivo Ayrton Senna, mais uma vez usado
como grande metáfora para o Brasil, suas mazelas
e suas vitórias. A Rede Globo tentava comprovar
mais uma vez o quanto sempre soube dar o devido valor
ao nosso grande herói e a forma com que venceu
todas as dificuldades (Brasil); como a Globo tinha ajudado
esse herói a crescer na vida (Brasil); e, principalmente,
como a Globo (Xuxa e Galvão Bueno contanto intimidades
de Senna) conhecia a fundo esse herói (Brasil).
Show beneficente ou mais uma etapa da campanha Global
para inscrever no tele-espectador a eterna gratidão
por todas essas benfeitorias e de ser ela, Globo (e
somente ela), a dona/artíficie de um herói
nacional? Afinal, foi sempre ela quem nos mostrou as
corridas de Senna, ela que sempre acreditou nele, ela
que detém suas imagens, sua memória. Se
heróis sobrevivem de lendas, a Rede Globo quer
se vender como a grande poeta a cantar Ayrton Senna.
Heróis são sempre exemplos, influenciam
pessoas, e ela não tinha como não fazer
questão de nos lembrar disso...
Nota 1
Costumo ser um defensor do Noite Afora, apresentado
por Monique Evans. Sempre me agradou a leveza e irreverência
com que Monique levava o programa. Porém, em
alguns momentos a apresentadora deixa transparecer sinais
de um moralismo reacionário muito preocupante.
Nessa última semana a apresentadora abriu o programa
fazendo um discurso sintomático de uma moral
paternalista (que já comentei aqui, falando de
BBB e Da Cor do Pecado) que vem, cada
vez mais, ganhando espaço na TV; saíram
frases absurdas como: "burrice é hereditário".
A questão era a briga de Marcela e Solange no
Big Brother; Monique vinha em defesa de Solange
dizendo que ela não tinha tido chance na vida,
que não teve educação, que não
se alimentou direito, e que por isso era burra. Ou seja,
se tivermos duas pessoas, uma rica e outra pobre, não
podemos julgá-las igualmente, temos sempre que
partir do princípio que o pobre é menos
capaz. Esse pensamento, que vêm rodeando todas
as abordagens sociais, é tão absurdo quanto
revoltante.
Nota 2 – A volta do Teste de Fidelidade
Extinto há algum tempo, o quadro voltou ao ar
na versão 2004 do programa Eu Vi na TV,
apresentado por João Kleber. Em certo momento,
durante o acerto de contas do casal, o apresentador
solta a curiosa frase: "nosso objetivo aqui não
é acabar com casamento de ninguém, é
justamente o contrário". Armar toda uma
situação para fazer o homem trair, com
sua namorada vendo tudo; no mínimo, uma maneira
questionável de se aproximar casais. O que mais
impressiona é essa hipocrisia. É inventar
toda uma situação de teste social, de
que aquilo é a vontade das pessoas, para mostrar
um clipe de uma bela mulher dançando e logo após
mostrá-la se insinuando para o rapaz a ser testado.
É manter essa aura de boas intenções
para jogar no meio do palco (poderíamos muito
bem chamar de arena ou picadeiro) o casal a se confrontar
para o deleite do apresentador, que ri, faz piadas,
chora, faz de um tudo para transformar aquilo, que ele
diz ser pra aproximar pessoas, num momento patético
e hipócrita. O problema não está
em termos um momento sensual de uma bela mulher ou de
termos o acerto de contas de um casal, mas sim em como
tudo é conduzido, a sordidez, a hipocrisia que
paira por cada momento do tal teste.
Francisco
Guarnieri
Textos da semanas anteriores:
Repórter
Cidadão: pouca cidadania, reportagem duvidosa
(por Francisco Guarnieri)
Semana
de carnaval (por Francisco Guarnieri)
A
dona da verdade (por Felipe Bragança)
Mormaço
(por Felipe Bragança)
Retrospectiva
2003 Parte 2 (por Felipe Bragança)
Retrospectiva
2003 (por Felipe Bragança)
A
Grata futilidade de Gilberto Braga (por Felipe Bragança)
Aos
treze (por Roberto Cersósimo)
Algum
começo... (por Felipe Bragança)
Uma
novela de... (por Roberto Cersósimo)
O
canal das mulheres, a cidade dos homens (por Felipe
Bragança)
O
fetiche do pânico (por Roberto Cersósimo)
Televisão cidadã, cidadãos televisivos
(por Felipe Bragança)
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