Ao
assistir o programa Repórter Cidadão,
da RedeTV, já se espera uma enxurrada de matérias
sensacionalista, reacionárias e tendenciosas;
mas, nesse caso, foi algo surpreendente até pros
padrões do programa apresentado por Gil Gomes.
A primeira coisa que se via era a legenda para a matéria
que dizia: "Se deram mal: foram mortos durante assalto".
Pouco depois vinha uma entrevista com um dos policiais
envolvidos na operação: "o saldo foi positivo,
pois os bandidos morreram e um foi baleado". E logo,
pra encerrar a matéria, o testemunho de uma transeunte:
"a polícia combateu tudo da melhor maneira possível".
Jamais tinha visto algo
tão sordidamente montado para legitimar, e apoiar,
a morte de bandidos, baleados pela polícia. A
começar pela legenda, com uma ironia cruel, como
se fosse divertido ver pessoas morrendo só por
serem "bandidos". Depois todo um aparato feito pra mostrar
como fica tudo tão bom e tranquilo quando os
"bandidos" são mortos. Ou seja, o que se viu
foi uma matéria impondo que a única forma
de se ter paz é matando; e finalizada com a declaração
da pedestre (que obviamente teve a sua declaração
deturpada por uma edição tendenciosa)
de que tudo foi perfeito, algo como: "o povo nos apóia".
Uma sucessão de sensacionalismos e manipulações.
* * *
Nota 1a : A
novela Da Cor do Pecado, de João Emanuel
Carneiro, vem batendo todos os recordes de audiência;
inclusive chegando a alcançar níveis mais
altos que a novela das 8. E todo esse sucesso e identificação
com o público parece-me vir de um fenômeno
extremamente preocupante que vem acontecendo: um eclosão
e difusão de um grande sentimento paternalista;
tudo o que "passa a mão na cabeça" das
minorias sociais ganha um status de obra de grande importância
social; e o telespectador se sente obrigado a gostar,
porque falar mal seria se mostrar um racista, preconceituoso
ou algo do gênero.
Nota 1b : No
BigBrother acontece um fato parecido. Durante o programa
foram criados dois estereótipos (mais pela Globo
e sua montagem do que pelos próprios participantes):
a Turma do Boco, composta por uns caras "boa-praça",
afim de curtir. E os SuperPobrinhos, composto pelos
ditos necessitado do dinheiro dado ao vencedor do programa.
De novo o paternalismo entra em cena e fica a pergunta:
"pra quem vou torcer: pros que tão só
afim de "zoar" ou pros necessitados que sofrem no dia-a-dia
e se não ganharam esse dinheiro vão passar
mais necessidades?". A intenção da imprensa
(digo imprensa porque não é só
a Globo que vestiu essa carapuça nos participantes)
é, claramente, de se portar como benfeitora de
um papel social.
A questão é
se perguntar por que essas pessoas passam necessidades
ou são discriminadas. Não é algo
que vem do nada, é uma construção
que vem vigente há anos e não é
com atos imediatistas (e que só reafirmam a discriminação)
que vai se solucionar algo.
* * *
Nota 2: A felicidade em
Malhação durou pouco; já
criou-se uma trama "com mensagem" no núcleo da
república (elogiado aqui semana passada). Não
que as discussões ou mensagens sociais que existem
na novela sejam todas ruins, o problema está
onde e por quê bota-las.
Eu diria que é
essencial em Malhação a abordagem
de assuntos relacionados à adolescência,
porém, parece-me extremamente necessário
a existência de personagens mais leves, que dêem
uma descontraída na trama. E esse papel vinha,
há algum tempo, sendo exercido, e muito bem,
pelo personagem Cabeção. Mas essa semana
Cabeção começou uma trama com musculação
e anabolizantes, acabando com a leveza do núcleo
da República. Além de terminar com a contra-partida
que era aquele núcleo descompromissado com tudo,
essa atitude contraria toda a postura que seu personagem
sempre teve: Cabeção era aquele "boa-praça",
amigo de todo mundo, preguiçoso; e de repente
jogam nele essa história de musculação,
ficar "bombado".
Parece-me que pesaram
demais a mão e que essa trama caiu como um OVNI
no personagem de Sérgio Hondjakoff.
Francisco
Guarnieri
Textos da semanas anteriores:
Semana
de carnaval (por Francisco Guarnieri)
A
dona da verdade (por Felipe Bragança)
Mormaço
(por Felipe Bragança)
Retrospectiva
2003 Parte 2 (por Felipe Bragança)
Retrospectiva
2003 (por Felipe Bragança)
A
Grata futilidade de Gilberto Braga (por Felipe Bragança)
Aos
treze (por Roberto Cersósimo)
Algum
começo... (por Felipe Bragança)
Uma
novela de... (por Roberto Cersósimo)
O
canal das mulheres, a cidade dos homens (por Felipe
Bragança)
O
fetiche do pânico (por Roberto Cersósimo)
Televisão cidadã, cidadãos televisivos
(por Felipe Bragança)
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