Se uma pessoa ligasse de repente sua TV no Multishow nesta terça, 26/3, entre 23:30 e 0hs, o susto seria inevitável. Será que Tsai Ming-liang havia começado um projeto na TV brasileira? Ou que Bergman estaria investindo na área dos reality shows? O fato é que por vinte minutos a nossa TV superou o silêncio dos filmes do cineasta de Taiwan, e a angústia existencial dos grandes clássicos do sueco. E quem diria que isso podia vir do Big Brother Brasil!! A sério, o fato é que aqueles vinte minutos foram possivelmente os mais importantes desde a entrada no ar do programa, e de fato seriam um marco na televisão brasileira caso tivessem ido ao ar na TV aberta (sendo no Multishow, não devem ter maiores repercussões). Se tentamos repetidamente insistir na tese de que os reality shows representam um movimento evolutivo quase natural dentro do que se considere "teledramaturgia", este foi o momento no qual pudemos notar o tal do diferencial que estes espetáculos trazem. Porque é inegável que, após inúmeros equívocos conceituais e de desenvolvimento do programa, a Rede Globo (e podemos dizer o mesmo de Pedro Bial como apresentador) foi acertando o tom, ao ponto de que hoje seja impossível não dizer que tenha construído bem sua trama, seus personagens, e o mais importante, a empatia deles com o público. Chegou, portanto, onde toda telenovela deseja ir. Especialmente a um ponto em que os espectadores mal possam esperar para saber dos próximos capítulos e discutam nas ruas os personagens e seus destinos. Porém, o que aconteceu nesta terça foi a erupção do plus que um programa como este pode dar a esta expectativa básica da teledramaturgia. A noção de sentimento "real" e, principalmente, ao vivo. Saber-se estar assistindo a um momento tão pungente quanto aquele na medida em que ele está de fato acontecendo com alguém é algo de novo na experiência espectatorial, inegavelmente. Torcer pelos "personagens" de repente adquire um significado completamente diferente do anterior. Podem até querer falar em sadismo, mas o equívoco é não ver o quanto aquele momento incentivou o contrário, a empatia. Não era questão de querer ver o sofrimento alheio, mas de querer estar lá para ajudar. Fazer o espectador se sentir vivo, nada letárgico. Recapitulando para quem não viu: no programa da Globo, Leka foi eliminada por 73% de votos, perdendo para Kleber. Ao sair, a Globo fez a tradicional recepção lá fora, e logo acabou a transmissão, no que a Multishow começou seus 20 minutos ao vivo de cada dia. Aí foi que começou a surpresa: ao longo desta duração, não aconteceu nada. Mas ao contrário da maioria dos dias em que se poderia dizer isso da transmissão ao vivo (na boa, o Multishow precisa repensar, em 80% do tempo é uma inutilidade), o nada aqui foi muito mais do que apenas falta do que fazer. Foi impossibilidade de fazer algo. Os quatro "sobreviventes" finais ficaram sentados, sem forças para falar ou se mover muito. Sérgio e Vanessa tentavam alguns silenciosos e hesitantes carinhos, Kleber queria quebrar o gelo falando aqui e ali e sendo ignorado. Mas o verdadeiro drama era o de André: sentindo-se abandonado de vez, sem os amigos, ele simplesmente chorou, e olhou para o nada por vários minutos. E quando se moveu, a expressão corporal era a de um saco vazio. Vinte minutos disso, na TV. Bem vindos ao novo mundo. Sim, porque esta é a TV, o tal meio onde não se pode parar por um segundo senão o espectador muda de canal. Onde as imagens parecem correr a 800 frames por segundo, e que agora exibia por vinte minutos uma cena que seria chamada pelos nossos grandes críticos de cinema de chatas num filme chinês ou iraniano. Gente da Sicília no BBB. Vinte minutos e tudo que havia em cena era gente, sofrendo. A dor de estar só, da perda de uma presença amiga. Neo-neo-realismo. Porque, vejam bem, o que a cena desnudou é o que podia parecer óbvio, mas não era. Que, por mais que se queira criar provas de competição, de resistência, gincanas de habilidades, tudo isso é bobagem. O grande diferencial de um BBB, como reality show, está na questão do convívio humano. Da complexidade e fascínio eterno do que seja ser humano e estar em sociedade. Não que a Globo previsse isso, mas a realidade superou o espetáculo. No final, ao invés de orgias e porradas homéricas, acabamos com laços de amizade, carências, ausências (não que se queira moralizar em busca de "bons sentimentos", há tantas "faltas de caráter" nisso quanto momentos de "beleza"). Nas últimas duas despedidas do programa (Adriano e Estela) já se havia percebido o potencial para isso, mas nada que pudesse nos preparar para o acontecido desta semana. Claro que os mais cínicos podem sempre alegar que era isso que a Globo planejou, um melodrama (aliás, nada contra). No entanto, mais uma vez a realidade superou o controle: num certo momento, para abafar os gritos da platéia externa (que começava a entregar certos detalhes que não se desejava que os lá de dentro soubessem), começa a tocar uma melosa musiquinha ambiente. Ao que André vira-se para uma câmera e diz: "Por que vocês não tocam logo a Quinta de Beethoven, que eu corto os pulsos? Sério, Big God (N do R: assim eles se referem ao diretor do programa), você pode fazer bem melhor do que esta musiquinha de bosta!" A música é interrompida prontamente. André: "Obrigado!" O personagem dirige ao vivo e a cores o que acontece a sua volta. O silêncio perdura, e o meio escapista por natureza nos oferece mais dez minutos de angústia existencial. Foi bonito de se ver, não importa o que digam. O plano final de Vive L'Amour vem à mente. Comerciais, por favor! Eduardo Valente |
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