Doze Homens e uma Sentença,
de Sidney Lumet


Twelve Angry Men, EUA, 1957

Sidney Lumet cresceu no teatro. Trabalhou na Broadway desde criança, sendo cooptado pela televisão no começo dos anos 50. Realizou diversos teleteatros até debutar no cinema em 1957 com Doze Homens e Uma Sentença. O filme foi um fracasso. Muito se falou de sua estética televisiva e de sua propensão teatral. De fato, quando doze homens se fecham em uma sala abafada para discutir se um homem é inocente ou culpado de um crime contra seu próprio pai, pode se esperar que a direção seja escrava da encenação.

Lumet sabe evitar essa armadilha e constrói, apesar de sua inexperiência na tela grande, uma obra de puro cinema. Uma verdadeira aula de mise en scène cinematográfica. Não é teatro filmado, porque não temos apenas um plano geral, mas sim uma variação de planos fechados, mostrando as expressões dos atores, de vários ângulos, buscando entrar no sistema nervoso de seus personagens.

A mobilidade da câmera num espaço limitado também é um trunfo. O calor e a falta de ventilação na sala amplificam o clima claustrofóbico. Os enquadramentos, primorosos, reforçam a impressão de que cada jurado se desnuda psicologicamente (já que não pode ser fisicamente) para defender seu ponto de vista.

Os jurados entram na sala num clima trivial, loucos para sair dali o mais breve possível. Apenas uma votação unânime poderia dar o veredito. Todos os jurados estão convencidos da culpa do acusado, exceto um. Alguns se escondem sob uma máscara de ressentimento (jurado n°3, Lee J. Cob) ou de preconceito (jurado n° 10, Ed Begley), prejudicando sua capacidade de votar com isenção. Outro só se importa com o jogo que irá começar a poucos momentos (jurado n°7, Jack Warden), indo com a maioria. Cabe a Henry Fonda, o jurado n°8, único que votou contra a execução, convencer os outros onze de que não há total clareza na tese da culpabilidade do réu.

Henry fala, enquanto é observado pelos outros jurados. Com rara noção de quadro, o diretor privilegia os diversos olhares, uns ameaçadores, outros confrontadores, outros apenas curiosos, que recaem sobre aquele desmancha-prazeres. "Como ele ousa tornar a tarefa desgastante?" Esse balé de olhares define bem o que Lumet pensa de cinema. O ator com sua expressão, seu suor, seu nervosismo, sustentação de qualquer dramaturgia, deve ser filmado em sua plenitude.

Nicholas Ray dizia que o cinema é a melodia do olhar. O olhar do diretor perante o mundo, o externamento de um ponto de vista. Lumet transcende a expressão, valorizando também o olhar do ator. Não foi o primeiro a filmar o ator dessa maneira. Cukor, Hawks, entre outros, também sacrificavam a plasticidade de uma cena em favor da expressividade do ator. Mas em sua carreira, podemos divisar esse ponto de referência, Lumet tem uma maneira ímpar de lidar com os atores. Poucos fizeram, como ele, com que o ator adquirisse tamanho papel psicológico, a ponto de que raramente percebemos que estão realmente atuando, ao invés de vivenciar o que está sendo encenado. Nesse sentido, podemos dizer que Lumet incorporou como nenhum outro sua experiência teatral, sua familiaridade com o processo de interpretação.

O cinema, depois a televisão, permitiu que se mostrasse o olhar do ator. Para que, então, ignorá-lo? O uso do close-up se faz necessário, assim como o refinamento do quadro. Através de panorâmicas e travellings sutis, Lumet consegue passar plenamente a composição psicológica de cada personagem, cada qual com sua característica marcante.

Esse esquematismo não depõe contra o filme por evidenciar a representação que aqueles doze homens fazem da sociedade. Cada um tem um tipo de personalidade, formando um mosaico do homem urbano da época. Há o tímido, o intelectual, o de origem humilde, o pragmático, o idoso, o desbocado, o que nada sabe. São homens comuns, que não conhecem uns aos outros, mas que estão ali para decidir se alguém tem o direito de continuar vivendo. O elenco, como não poderia deixar de ser, é impecável. Com destaque para Lee J. Cob, Martin Balsam, E.G. Marshall e o próprio Fonda. A música é discreta, quase inexistente. A fotografia é funcional, sem brilharecos inúteis.

A opção de Lumet nos é entregue desde a introdução, quando focaliza o réu, impregnando-o de uma aura misericordiosa. A música sutil nesse trecho pode ser considerada chantagista, não é. Serve para suavizar, não para reforçar. Percebemos de antemão que o réu será inocentado. Mas a previsibilidade não compromete. O que importa não é saber se o réu é culpado, mas saber se uma pessoa pode ser julgada por outras, com base em evidências e suposições. Veremos como o jurado n° 8 tentará convencer os outros de que seria uma loucura condenar o jovem à morte.

Duas cenas são complementares. Uma logo no início, mostra os advogados se cumprimentando, como se tivessem realizado uma boa partida. Ouvem-se elogios à performance de profissionais enquanto um novo jogo está prestes a começar no tribunal, onde Henry Fonda acaba de entrar. A reavaliação humana acontecerá no final, em uma cena exemplar. Fonda aperta a mão do jurado mais idoso, o primeiro a mudar o voto. Eles se apresentam (e só então conhecemos seus nomes), ficam segundos sem ter o que dizer, depois se despedem, cada um tomando seu rumo. Saem limpos, certeza do dever cumprido. Essas duas cenas emolduram uma outra característica do cinema de Lumet. A ética de seus personagens. Que podem ser arrogantes, interesseiros ou preconceituosos, mas nunca deixam de ser humanos.

Quando o jurado n° 10, vivido por Ed Begley, é humilhado (justamente por demonstrar preconceito), isolando-se, uma discussão maior vem à tona. Uma nova votação é solicitada e, para mostrar sua mudança de posição, Lumet mexe sutilmente sua câmera, num discreto travelling de recuo, passando a enquadrar o jurado humilhado àfrente dos demais levantando a mão à menção da palavra inocente. Um primor de realização que mostra o perfeito domínio cênico do diretor.

Doze Homens e Uma Sentença inscreve-se, com louvor e por vias tortuosas, no rol das grandes obras humanísticas. Da concretização dos ideais democráticos, parte para um redimensionamento do valor de uma vida. Pode ser considerado, ao lado de Ox-Bow Incident (Consciências Mortas, 1943) de William Wellman, como um grande libelo contra a pena de morte, ainda que, no filme de Lumet, não seja necessariamente a legitimidade da execução de um ser humano que está em discussão, mas a possibilidade da dúvida para absolvê-lo? São ideais democráticos que estão em jogo. Mas, em meio a tantas discussões, há uma tomada de consciência dos jurados com a importância de uma vida, e essa conscientização é o grande mérito do filme, afinal sempre haverá dúvidas. E Henry Fonda, que no mesmo ano foi o Homem Errado de Hitchcock, pôde se gabar de uma belíssima estréia como produtor.

Sérgio Alpendre