Sílvio
Santos e a "TV Marginal"
Nada mais oportuno, em plena chegada da mostra
"Cinema Marginal e suas Fronteiras" ao Rio de Janeiro, do que termos no
ar Casa dos Artistas, que dá origem a um novo modelo de
televisão: a TV Marginal. Claro que os amigos cineastas que ralavam
muito para fazer seus filmes sem qualquer apoio e sem grana não
apreciarão de todo a comparação com um dos homens
mais ricos do país, que domina a segunda maior rede de TV nacional.
Mas, precisamos abstrair um pouco os bens materiais do senhor Abravanel
para entender do que se quer falar aqui.
Comecemos pelo mais óbvio: o programa
e seu criador são réus num processo judicial. Ora, nada
mais marginal, por definição. Mas se trata de algo mais
sutil ainda. Afinal o que fez Silvio Santos se não pegar um conceito
pronto (e estrangeiro) e carnavalizá-lo? (quem acha que ainda se
trata de plágio após a Globo levar ao ar o seu BBB
deve ter dificuldades de conceituação com o significado
da palavra "plágio") Existe ação mais "marginal"
do que essa? Ele pega o espírito satírico-populista da chanchada,
mistura com a pornochanchada dos anos 70, e chega a um formato o mais
autenticamente nacional o possível. E o acusam de copiar um holandês??
Eu, hein...
Mas, para localizamos de fato a relação
do programa com o Cinema Marginal, precisamos pensar na frase-símbolo
daquele movimento, dita pelo Bandido da Luz Vermelha no filme de Rogério
Sganzerla: "Quando a gente não pode nada, a gente se avacalha e
se esculhamba." Pois não existe nada mais avacalhado e esculhambado
hoje na TV brasileira do que o programa dominical da Casa dos Artistas.
E, tal e qual o filme de Sganzerla, beirando a genialidade.
Silvio Santos, até segunda ordem,
como o Bandido, "não podia nada". Afinal a Globo manda na audiência
em quase todos os horários, impõe seu gosto e seu modelo
de TV a imensa maioria dos espectadores. Então, o que o nosso ex-camelô
resolveu fazer? Avacalhar e esculhambar. Pegou o modelo do tal holandês,
comprado por uma bolada de dinheiro pela Globo, virou de cabeça
pra baixo, colocou no ar de segredo, chocou a família e o bom gosto
da sociedade brasileira. Quer coisa mais Marginal??
A edição de Domingo da Casa
é hoje o programa mais radical e inventivo da TV, muito mais do
que o Marcos Mion jamais sonhará em tentar fazer pose. Nele, Silvio
Santos e seu "macrofone" de lapela dão as ordens, e vale tudo.
Ele troca as regras do jogo ao vivo, lê as matérias sobre
si mesmo e seu programa (numa avacalhação completa com a
imprensa televisiva), faz pouco de seus "artistas" em rede nacional, esquece
o nome de um ou de outro, chama os comerciais quando dá na telha
(e sempre dá na telha na mesma hora que a Globo... uma coincidência
total). Aliás, os comerciais são uma história à
parte. Ele avisou outro dia aos anunciantes para "ficarem calmos. Eles
às vezes ficam nervosos querendo saber quando vai entrar no ar
o comercial. Fiquem calmos, eles vão entrar no ar, no momento certo."
Genial.
Levado no improviso pelo maior talento da
nossa TV nesta arte desde Didi Mocó, o programa tem um ritmo e
uma vibração ímpares, uma jovialidade jocosa que
deixa claro o mais importante: independente de todo o resto, Silvio Santos
está se divertindo como nunca. Claro que o Ibope e a atenção
ajudam, mas você sente que ele faz aquilo com um prazer juvenil
que falta não só na TV mas nas artes brasileiras como um
todo. É um prazer assistir ao programa todo Domingo. Até
porque nunca se sabe o que vai acontecer a seguir.
A diferença para o Big Brother
Brasil, que já começa na língua do título
do programa, nesta última semana ficou ainda mais clara. Enquanto
saía, Helena falou uma frase estranhíssima para a mãe
de Alessandra: "Tem coisas lá dentro que nós fazemos porque
somos mandados". Embora eu tenha certeza que isso era só uma tentativa
de Alessandra ficar bem com os pais após as seguidas bebedeiras,
e fruto ainda de um caso ao vivo de telefone sem fio, o pior foi o que
se seguiu. A Globo ficou completamente aturdida com aquela fala que podia
tirar a aura de "seriedade" do programa. Não só Pedro Bial
quis desmentir aquilo na hora, como ainda puxou o assunto de novo no dia
seguinte. Esta obsessão só fez tudo ficar mais suspeito,
afinal quem não deve não teme. E logo agora que o Bial estava
começando a entrar no clima da zona...
Na Casa dos Artistas esta polêmica
nem existiria, porque lá nada quer ser "sério". Quando um
tape gravado de Supla dando um depoimento falhou no som ao entrar no ar,
os artistas disseram: "Não estamos ouvindo nada, Silvio!" Ao que
ele emenda: "Nem eu! Tem que reclamar com a produção..."
Fantástico. Sem qualquer trocadilho. Mais que a Casa dos Artistas,
aquela é a Casa da Mãe Joana. E nós adoramos o cada
vez mais marginal Silvio Santos por nos lembrar disso. Nós não
somos sérios e preocupados com nosso padrão de qualidade
e bom gosto tanto assim... Nós, e o Cinema Marginal.
Eduardo Valente
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