As
relações entre BB e o B
Parte 1: "a cara do Brasil"
Em uma semana muito se leu e muito se ouviu
nas ruas que o resultado final do Big Brother acabou sendo "a cara
do Brasil". O mais interessante foi ver como o argumento valia tanto para
os descontentes com a premiação de Bambam-Kléber
quanto para os que por ele torceram. Isso só prova mais uma vez
que "a cara do Brasil" está à disposição para
ser distorcida em torno de qualquer argumento que se resolva achar razoável.
Ela confirma e renega toda tese que se queira, e por isso mesmo resolvi
aproveitar e mergulhar de cabeça. Pois o resultado final do BBB
é, afinal, a cara do Brasil!
O que torna inegável não apenas
a penetração do programa no imaginário brasileiro
(tanto o popular quanto o da camada mais "culta") como também a
constatação do óbvio, mas ainda assim impressionante,
poder da TV. Porque afinal não é simples entender como algo
que a princípio era tratado tanto por sua emissora exibidora quanto
pelos críticos acadêmicos ou jornalísticos como "apenas
um jogo" de repente recebe tamanha importância como alegoria do
que se pense ser o Brasil. Dar esta validade institucional a um programa
de TV mostra o quanto este meio está a frente de todos os outros,
seja da arte como o cinema, seja da mídia em qualquer outro formato.
O que mais poderia atingir tamanha parcela da população
e forçar-nos a repensar nossa identidade desta forma? Por isso
tudo é que decidimos que ignorar a televisão como meio de
comunicação era mais do que um erro preconceituoso, era
um tiro no pé e o suicídio de quem queira pensar o Brasil
como audiovisual.
Nada consumiu mais o brasileiro na semana
passada, nem as lágrimas de Romário, do que discutir se
Bambam mereceu ou não seus 500 mil. Ora bolas, vamos começar
então do começo: claro que ele mereceu, afinal ele não
participou do BBB para isso? Que me lembre a Rede Globo insistia
o tempo todo que o que estava em jogo ali era um prêmio em dinheiro,
e que por isso todos foram para lá. Se era apenas para ser uma
"experiência de convivência" ou um "teste de caráter",
se devia abolir o prêmio em dinheiro e simplesmente colocar as pessoas
na casa para nós vermos. Mas o fato é que sem dinheiro na
jogada ninguém se prestaria a isso. Portanto, chega de bobagem
e de julgamentos morais: Kleber só queria saber do dinheiro? Tanto
melhor, ele mereceu ainda mais por saber do que participava. Quem mais
falou em dinheiro terminou com ele, e quem mais falou em amor e amizade,
terminou com estes. Parabéns a todos. Se é para ter pena
de alguém, só dá mesmo para ser a pobre da Felícia,
a bizarra loura de laboratório, perdida feito cego em tiroteio
querendo poder passar suas falas decoradas e oferecer seus Fiats a torto
e a direito.
Mas, ficou ainda uma segunda pergunta martelando
o "Brasil no divã" que se tornou o BBB, tanto quanto a da
justiça do prêmio: afinal, a premiação foi
"a cara do Brasil"? Ora, podemos responder esta por quantos ângulos
se queira. Podemos querer por um lado ver na final dois negros sendo oprimidos
pelo representante da virulência e da força bruta. Ou ainda
podemos pensar que a imagem que ficou ao fim da transmissão era
de um bando de musculosos em camisetas pulando num palco enquanto seguranças
os empurravam para fora. Ambas são caras do Brasil.
Mas, talvez a reflexão mais importante
e direta que se possa fazer seja a seguinte: com quem a maioria da população
brasileira se identificaria? Com uma modelo e manequim aparentemente desprovida
de desejo sexual e cheia de problemas de comunicação; com
um homosexual negro, artista cheio de sarcasmo e sagacidade tipicamente
urbanos; ou com um ex-vendedor de côco caipira, de pouco estudo
e muita vontade de conseguir um dinheirão para mudar de vida? Colocado
assim chega a ser ridículo pensar que houvesse alguma dúvida.
Claro que sentados em Ipanema ou nos Jardins podemos nos ver imaginando
que o Brasil é (ou "deveria ser") outra coisa. Mas, não,
o Brasil profundo é o mesmo há muito tempo. Um adulto infantilizado
que não teve acesso à educação formal, mas
que sonha um dia ganhar todo o dinheiro do mundo para viver o desejo de
morar no Rio de Janeiro. Não há dúvida: Kleber ganhador
é a cara do Brasil, porque era através dele que o brasileiro
podia sorrir e se sentir vencedor junto com ele.
Restou a alguns ufanar-se desta "cara do
Brasil", enquanto outros procuravam escondê-la. Errado é
não perceber que nem um nem outro vão nos levar adiante,
pois são duas faces da mesma moeda. Muito mais importante do que
isso é reconhecê-la e tentar modificá-la no que ela
não se adeque ao mínimo que se espera de um país.
* * *
Pois bem, passada uma semana desde o final
do programa convém perguntar com um pouco mais de distanciamento:
afinal, o que vai ficar do BBB? A julgar pelo que vimos no domingo
na Globo, na "reunião" dos participantes, uma coisa ficou clara:
os 12 "jogadores" é que não ficarão. Pela primeira
vez agindo coletivamente como "celebridades", eles foram responsáveis
por um dos mais desinteressantes e constrangedores espetáculos
da TV recente. Não se sabe se devemos culpar Pedro Bial por ainda
estar sob efeito do incidente com marginais ou se a equipe do BBB
está inteira se recuperando de uma estafa pós-programa,
mas o fato é que poucas vezes se viu um programa com uma edição
tão ruim, um roteiro tão inexistente, e tamanho desinteresse
de seus participantes. Ficou claro ali que a única coisa que eles
possuem de "televisivo" é a sua rotina exposta. Quando tornados
celebridades, portanto supostamente interessantes em si mesmos, revelaram-se
tudo menos isso. Trata-se de um elogio ainda maior ao formato do reality
show que consegue realmente tornar o banal dramático.
Enquanto Sérgio, Vanessa, Estela e
André pareciam absolutamente entediados e pouco dispostos ao papel
de "estrelas", outros como Leka, Adriano e Cristiana pareciam dar seus
derradeiros espetáculos tentando mostrar-se como figuras interessantes.
São os 3 que talvez vinguem. Já Caetano, Xaiane e Helena
confirmaram sua vocação nata ao esquecimento e ao elenco
coadjuvante, enquanto Bruno serve de prova viva de que um ser humano pode
ser mais asqueroso que qualquer personagem de novela, sem metade do glamour
deste. E, finalmente, Bambam. Este parece que não vai durar 15
minutos. Mas, pelo menos, saiu com seus 500 mil.
O que vai ficar mesmo do BBB é
a renovada sensação de que o que acontecia na televisão
era mais importante que a vida lá fora. E a nova sensação
de que o que lá acontecia era, de fato, a vida. Mais do que tudo,
talvez, vai ficar uma cena, antológica desde já, e que ajuda
a explicar onde entra o fator humano que ultrapassa tudo que se pode imaginar
possível e plausível, palavras que na maior parte das vezes
regem a teledramaturgia naturalista. A cena de Bambam se esvaindo em lágrimas
por uma boneca, por Maria Eugênia. Um momento que ninguém
ousaria escrever, e que por alguns minutos relembrou ao espectador que
o ser humano tem impulsos e carências muito maiores e mais inexplicáveis
do que podemos imaginar. Se só esta imagem ficasse, no meio de
vários belos momentos de TV que o BBB proporcionou, já
seria o suficiente. Há tempos uma novela não cria um momento
tão inesquecível e vivido e comentado por todo um país.
Por isso tudo, não se pode ignorar o programa.
Eduardo Valente
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