Câmeras
por todos os lados:
Casa dos Artistas,
Collin Powel, Bob Esponja
1. A transmissão da BAND
para o desfile das Escolas Campeãs do Carnaval tornou mais gritantes
as precariedades expressivas do carnaval Globeleza 2002. Mesmo tendo que
agüentar as papagaiadas do incansável Vanucci, o espectador
da BAND teve a oportunidade de ver os desfiles com todo o luxo que a falta
de acrobacias videográficas pode proporcionar, isso é: num
certo momento do desfile da Mangueira tivemos um intervalo de cerca de
10 minutos em que nada (absolutamente nada, nem comentários nem
luzinhas coloridas) interrompeu as imagens da campeã. Pude finalmente
ouvir uma bateria tocar por completo, entender a coreografia da comissão
de frente da Beija-Flor e assistir ao show dos passistas sem que dezenas
de bolinhas com logotipos de refrigerantes viessem interromper os movimentos.
Ufa...
2. A estréia do novo Casa
dos Artistas não decepcionou em nada quem esperava um novo
show de Silvio Santos. A escolha do novo "elenco" ao vivo no palco, colocando
em dúvida a escolha entre a Feiticeira e o inesquecível
Pedro de Lara foi uma passagem não só engraçadíssima
como a melhor paródia que a seleção do Big Brother
Global poderia receber. Juntar no palco os 12 "artistas" escolhidos
e mais um grupo de apresentadores e comediantes foi a melhor quebra de
diegese que o SBT poderia criar para a pompa e a expectativa em torno
da estréia. Ridicularizou a escolha livre do elenco fingida pela
emissora rival com a elegância e a inteligência que Pedro
Bial ainda rebola para tentar levar ao Big Brother. Por fim, como
um bom mágico ou animador de picadeiro (após um passo em
falso do equilibrista), Silvio Santos explicou: "Como vocês podem
perceber, tudo isso já estava combinado, nós apenas simulamos
a escolha dos participantes aqui no palco..." isso é, faz tudo
parte do espetáculo. Mais uma vez, mesmo que por vezes o programa
tenha se tornado muito longo, Silvio Santos e sua equipe souberam fugir
da obviedade voyeurista dos reality shows meramente importados, criando
um divertido e singular teatro de improvisos. Resta ver se a fórmula
se sustenta.
3. Da Casa dos Artistas
para a Conexão Global da MTV. todas as câmeras viradas
para apenas um homem, uma celebridade: Collin Powel. Para quem não
viu, foi um programa (gravado simultaneamente em 5 ou 6 países
do mundo) onde jovens faziam perguntas para o todo poderoso secretário
de estado norte-americano. Se a intenção era boa (?) e as
perguntas minimamente interessantes, o resultado final do programa decepcionou
e muito: sua própria estrutura minou suas supostas intenções.
O fato de apenas representantes de países do "ex-terceiro mundo"
terem perguntado, já delineou o aspecto de ‘ouvidoria’ que o programa
estabeleceu. Como nos tempos passados do império, os jovens do
Brasil, Egito, Índia, Paquistão (e outros), se encaminhavam
para Powel pedindo e cobrando uma atitude, uma resposta de um poder central
já instituído. Não houve questionamento sobre as
respostas dadas, Collin Powel se resumiu a bem representar seu papel de
defensor do bem estar humano e foi assim tratado pelas perguntas. Todos
se resumiam a querer saber o que os EUA iam fazer para resolver isso,
o que os EUA iam fazer para resolver aquilo. Em suma, o poder de realização
não só se encontrava nas mãos do Estados Unidos como
era reautenticado pelas perguntas. Nesse estranho meio termo hipócrita
em que vivemos hoje, Collin Powel patinou diversas vezes entre assumir
esse poder e se ausentar de responsabilidades. Falava como um bom Deus
que tenta ajudar a todos... Mas, como um bom Deus, apenas ajuda aqueles
que se ajudarem. Dessa forma, a Conexão Global estabeleceu
um fórum possível de questões sobre AIDS, fome, terrorismo,
mas só funcionou como uma reiteração afirmativa do
poder irresponsável e legitimado que os EUA exercem sobre a economia
e política globais. No estúdio central, nos EUA, uma platéia
lotada de jovens norte-americanos ficou silenciosa e somente abriu a boca
para uma pergunta, tipicamente americana e pessoal: "Powel se considera
negro?..." A resposta foi mais um hino à grandeza norte-americana,
um elogio à liberdade democrática de uma sociedade onde
um negro pode subir na vida se mostrar que é capaz, se mostrar
que merece... Entra música alegre e sobem os créditos.
Nessa Casa dos Artistas às
avessas, a estrela solitária de Powel terminou tão intocada
quanto antes, senão mais forte. Cazé, aqui no Brasil, ainda
tentou dar continuidade ao debate em São Paulo, mas o tempo era
curto e as conclusões dos debatedores óbvias. Seria interessante
que novas Conexões Globais fossem feitas sim, mas que as
câmeras não estivessem todas voltadas para um só homem,
um só oráculo, um só país. Que não
fosse delegado a apenas um homem o papel de nos dar todas as respostas...
Seria possível ?
4. Enquanto isso o Big Brother
Global continua na mesma. A participação de Xuxa, numa
entrada especial durante o programa do Faustão foi mais uma cartada
furada da emissora. Como um papagaio sonso, a apresentadora tratou de
dar dicas para os participantes. Com um moralismo quase infantil, pediu
que os competidores não falassem mais palavrões (porque
tem muitas famílias vendo...) e que conversassem sobre coisas importantes
como "a perda da virgindade". Se os já precários personagens
do BBB resolverem apelar para esse arremedo de programa educativo,
aí o buraco vai fundo... A voz de Xuxa, como essa mãe orientadora
e disciplinadora, foi mais uma expressão do incômodo que
o BBB está representando para os padrões formais
da emissora: desde os apresentadores até os diretores do programa,
algo de muito incômodo parece estar sendo feito, como uma batata
quente. Nem mesmo as entradas contínuas de jornalistas dando flashes
conseguem tirar a impressão de que se trata de um objeto estranho
dentro do universo da emissora.
Escaldada por essa experiência,
a Rede Globo será capaz de continuar sua linhagem de reality shows
após o término do BBB? Existem mais alguns modelos
internacionais quentinhos no forno esperando para ser copiados aqui no
país, será que os padrões Globais agüentam o
baque de ter como estrelas contínuas esse gênero irregular
e sujo de dramaturgia?
5. UM ELOGIO RASGADO: um dos melhores
programas da TV a Cabo atualmente no ar é o desenho animado da
Nickelodeon Bob Esponja Calça Quadrada. A começar
pelo título, o nonsense (tanto das narrativas quanto da animação)
é a marca central do desenho que articula traços clássicos
da animação hiperbólica de Tex Avery (anos 50) com
a autoreferenciabilidade narrativa trazida à tona pelos Tiny
Toons (anos 90). Coroado pelo curiosíssimo tema havaiano dos
créditos finais, é um dos melhores desenhos animados em
produção nos EUA após a primeira safra de Cartoon
Cartoons. Em breve, um artigo inteiro dedicado a Bob.
Felipe Bragança
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