E agora, Bial?

Pois é, o BBB acabou, culminando com os 59 pontos de audiência do "último capítulo". E aí, o que resta à TV brasileira apre(e)nder disso tudo? A pergunta, segundo boa parte do nosso jornalismo cultural, deveria ser: "quão mais baixo podemos descer"? Bem mais baixo, possivelmente, para os padrões dos nossos poetas e defensores da cultura. No entanto, como temos tentado fazer aqui nas últimas semanas, nos interessa muito mais dissecar e tentar entender um pouquinho do que (e como) a TV nos mostra do Brasil e do mundo hoje, do que julgá-la segundo os padrões morais e intelectuais de uma elite "culturada". Por isso, vamos tentar olhar alguns efeitos pós-BBB sem julgamentos de valor vazios e francamente covardes.

Comecemos então pelos participantes do próprio BBB: o que o futuro guarda para eles? Neste sentido, uma boa matéria foi publicada pela Revista de Domingo do Jornal do Brasil, há coisa de duas semanas. Lá era lembrado que, ao contrário do que se alardeava aos próprios participantes toda semana no ar ("vocês agora são conhecidos e famosos no Brasil todo..."), esta fama não tem nada de duradoura. Tomadas as devidas proporções, lembramos, por exemplo, dos participantes do primeiro No Limite, que também foram tratados assim. A gordinha Elaine, que levou o prêmio, gravou uns comerciais, apareceu em Caras, cumpriu o ritual básico, e hoje está completamente esquecida. E ela foi uma das que mais durou na mídia. Os outros 11, quem sequer se lembra quem foram? (eu não, e olha que eu assistia mesmo!!! Tinha a Pipa, aquela outra que saiu na Playboy... e...)

Ou seja, a primeira importante lição: estamos até dispostos a torcer, a xingar e a endeusar qualquer pessoa "comum" que participe de um reality show. No entanto, ela só é alguém enquanto estiver na TV. Saindo de lá, volta a ser comum bem rápido. No máximo, se tornando uma curiosidade, ganhando para sempre um novo sobrenome postiço: Elaine do No Limite, Bruno do Big Brother, etc. Bom para as festinhas de debutante, para contar para os netinhos, e só.

No panteão do público só há lugar garantido para aquela fauna de cantores, atores e apresentadores que parecem pairar num universo paralelo (pensar nos gregos e seu Olimpo não parece de todo despropositado...), com casas decoradas como estúdios do Projac, férias retratadas pela Caras e festas nas colunas sociais e programas do Amaury Jr. Basicamente você precisa "ser da televisão", não "ter estado na televisão" para tornar-se de fato uma celebridade. Pelo que pudemos ler no dia do encerramento no site do BBB os "brothers" parecem ter uma boa noção disso, uma vez que numa seção onde se fazia um "aonde anda" com os já eliminados, quase 100% diziam estar tentando "apresentar um programa na televisão". Para quem queira perpetuar a fama, é a única saída. De resto, é melhor o Adriano vender quantos quadros puder logo, quem quiser tirar o máximo de fotos pelados que rolar, porque em dois meses acabaram os convites. Aos que por acaso tenham entrado achando que expor-se completamente era parte de um pacto mefistofélico onde o outro lado era a garantia do dinheiro e negócios eternos, podem sofrer um sério baque ao sentarem esquecidos em casa em um ano ou menos, vendo as fitas do programa. Não convém levar estas ilusões adiante.

E, embora pareça surpreendente, as pessoas realmente podem levar algumas rasteiras fortes. Basta lembrar o choro histérico de Estela, preocupadíssima com a possibilidade do "massacre do paredão" e o que aquilo significaria dela "enquanto ser humano". Parece bem mais válido chorar pela boneca de madeira. Mas isso não é doença nossa, basta lembrar o igualmente histérico episódio recente de Halle Berry no Oscar. Quando as pessoas estão dispostas a colocar sua segurança existencial na ponta do dedo de internautas ou na figura de uma estatuazinha careca de ouro, o problema é bem mais embaixo, e sério. Garantia de muito dinheiro ganho pelos analistas, seja quando as pessoas descobrem-se rejeitadas, ou pior, que o tal do carequinha de ouro realmente não significa lá grande coisa depois da ressaca de segunda.

Mas se os "brothers" tem um futuro meio previsível, e a TV? Bom, podemos começar pensando no próximo Big Brother, já anunciado pela Globo. Então, o primeiro aviso é o seguinte: nunca mais haverá um como este. Os indícios são fortes, venham de onde se quiser olhar: No Limite decaiu em audiência a cada edição (como aconteceu com seus semelhantes no exterior), Casa dos Artistas idem, etc. O formato do reality show parece interminável em combinações possíveis, mas o fato é que a repetição não cai lá muito bem, pelo visto. E o motivo é simples: os próximos participantes são sempre, necessariamente, espectadores da primeira edição. E isso muda completamente o centro de atenção do formato. Porque por mais que se quisesse ver níveis de "manipulação" e "atuações" (uma questão mais chata e pegajosa do que a do estatuto da Verdade no documentário) no programa, o fato é o seguinte: aquelas 12 pessoas nunca haviam visto um Big brother, assim como nenhum de nós. Então, elas podiam até ter suas idéias sobre como portar-se para fazer mais sucesso com o público ou na casa, mas (segundo lição sempre válida de Frederick Wiseman) ao tentarem "atuar" desta forma, estariam revelando-se mais do que nunca, na sua visão do que seja "adequado" ao público.

Já nas segundas edições, a coisa muda de figura. Porque agora já se assistiu, já se entendeu como funciona a edição, como funcionam e para onde apontam as câmeras, o que a platéia pensa e como reage aos participantes. E, aí sim, tanto a produção do programa como os novos concorrentes (seja quais forem) tendem a entrar num certo "automatismo" fake que realmente não traz interesse ao público. Enquanto estes 12 eram interessantes até quando tentavam "fazer cena" (basta pensar no genial Caetano falando para as câmeras e pedindo paz mundial, sendo expulso em uma semana...), os próximos serão bem menos. Queira-se ou não havia uma ingenuidade no programa (não só dos participantes, mas até da Globo que não sabia bem o que e como mostrar) que não se repete. Quando programada, enche o saco.

Pelo que lemos na mídia, a Globo já decidiu diminuir o número de "aspirantes a artistas" na casa. Porque reconheceu que era muito chato ver uma Helena, Xaiane ou o próprio Caetano claramente desinteressados de pelo menos se darem ao esforço de participar do programa para "deslancharem" aqui fora, simplesmente tentando fixar os rostos nas câmeras. Foram detonados pelo público, cada um a seu tempo. Outros como André, Adriano, Cristiana ou o próprio Kleber, que também entraram com certeza pensando exclusivamente nas carreiras, não resistiram ao fato de estarem em uma casa com outras pessoas e acabaram envolvidos com elas até a cabeça. Parece que vendo isso, a Globo vai em busca de mais "gente comum" (embora tenha sido ela mesma que resolveu escalar um elenco de "aspirantes", vivendo e aprendendo...).

É certo, no entanto, que haverá um Big Brother 2. Mas mais certo do que isso é que os reality show vieram para ficar. O tipo de comoção popular e da mídia causados pela Casa 1 e este BBB mostram um potencial do formato que há tempos a TV não via. Agora, o fato é que como "fenômenos" (seja para compreensão de estudiosos, seja para as próprias emissoras), eles ainda estão nascendo, começando a se desenvolver. Formatos vão aparecer (já se sabe que vêm aí o nosso Temptation Island, o tal Operação Talento, já se fala até que a próxima Casa será 50% de artistas com 50% de fãs numa idéia no mínimo bizarra que só mesmo Silvio Santos podia bancar) e se multiplicar. Vão entrar em crise, alguns vão fracassar e outros impressionar. O fato é que eles estão aí para ficar, por um bom tempo. Muito melhor do que reclamar é se acostumar e tentar ver de que forma as alterações e reações implicam e explicam o Brasil como um todo.

Eduardo Valente