As
Coisas Simples da Vida,
de Edward Yang
Yi Yi, Taiwan, 2000
Há algo de
muito delicado no modo como Edward Yang constrói o espaço
fílmico de Yi Yi, e há também algo de muito
forte. Misturando frieza e sensibilidade, ou melhor, retirando sensações
de uma câmera quase frívola, Yang faz de seu filme um exemplar
raro de linguagem cinematográfica que funde distanciamento a identificação,
os dramas pessoais aos sentidos universais de sua narrativa.
O respeito com que
Yang trata seus personagens, o modo como uma intimidade dos personagens
é criada diante do espectador, são fatores que diferenciam
Yi Yi da grande massa de filmes crônicas de sociedade que
infestam os cinemas com suas visões microcósmicas de mundo
dando lições de moral, amor ao próximo e etc (nada
mais monstruoso do que o aclamado Magnólia...). Yi Yi,
pelo contrário, não trata da invasão das intimidades
de seus personagens, mas da construção de suas personas
através do que lhes é expressivo, do que lhes é vivo
e atuante. Em Yi Yi, a intimidade, como o outro lado da verdade
de que fala o personagem do menino, não é alvo de um desvelamento.
Alguns atos não tem explicação aparente e não
será a câmera de Yang que invadirá a pretensa alma
de seus personagens procurando o que é que eles carregam por dentro.
Por que? Pois há algo que nenhuma câmera será capaz
de mostrar, nem a nuca de uma cabeça será capaz de revelar
– pois que em alguns momentos, a ausência é o mais próximo
que se pode chegar de certa imagem.
Em alguns momentos,
porém, a vontade de Yang de dizer o quê pensa cai num discurso
exagerado de suas personagens – como se o diretor tentasse de forma atabalhoada
traduzir o que já estaria ali nas entrelinhas. A trilha sonora,
nesses momentos, repete a clássica acentuação da
emotividade da cena e cria algumas manchas no que seria uma obra completa
em seu discurso.
Mas esses equívocos
ou incoerências são apenas detalhes dentro de um universo
fílmico que vive de uma sensibilidade extrema e de uma capacidade
rara de (como nos diversos planos em que rostos e vultos humanos se mesclam
às luzes da cidade refletidas em janelas e espelhos) falar do particular
e do universal sem dividi-los em dois espaços ou num truque fácil
de montagem. Yang mistura o particular e o universal em seu instante de
emergência, em seus instantes em que a imagem do indivíduo
e a da cidade emergem juntas diante da câmera, formando um mesmo
espaço, uma mesma imagem viva , única e magicamente incompleta.
Felipe Bragança
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