Xuxa Popstar,
de Paulo Sérgio de Almeida


Xuxa Popstar, Brasil, 2000

Por que se fazem filmes? Mais importante: por que se fazem filmes no Brasil de hoje? Terei uma mensagem a transmitir, ao contrário de nossos diretores cabeças-de-vento? Então, que seja esta: cinema popular no Brasil ano 2000, em que 40% da população nunca colocou os pés numa sala de cinema (por falta de $$), é balela, é me-engana-que-eu-gosto. Para resumir, tarefa de embusteiros: popular, dizem, é popstar, é o que faz sucesso nos borderôs. Que bela maneira de escamotear os conflitos e a má consciência (se é que eles têm alguma). Estou falando, é claro, de Xuxa Popstar, mais recente exemplar do nosso cinema sem cultura nem honestidade, mas sempre com muito dinheiro. Pois Xuxa Popstar é tão "popular" (conceito sempre complicado) quanto o governo FHC é "social" – e nada mais coerente: afinal, um filme não é uma versão privilegiada do meio que o pariu?

E o que nos diz Xuxa – ou melhor, Nick Yoner (mas que belo nome!) – nessa nova empreitada do cinema marqueteiro? Que sentimento, que tipo de anseio os realizadores buscam além dos esperados 3 milhões de espectadores? Alguma quimera à vista em Xuxa Popstar por trás da maquiagem e das bugigangas fashion? Mais de um autor já tentou estabelecer as semelhanças entre o cinema e a prostituição: as necessidades que satisfazem são as mesmas... Mas ao menos nesse caso é melhor parar por aqui, com pena de sermos desrespeitosos e injustos – sim, mas é com essas senhoras que vendem seus corpos para viver, sem dúvida de uma maneira muito mais honesta e digna de nossa confiança. E por mais que se escreva aqui, mais desrespeitoso (e repugnante) sempre será Xuxa Popstar com o espectador, e em primeiro lugar porque despreza o talento e a independência em nome do mais deslavado clientelismo com o público, ou melhor, da prostituição das idéias – e, por mais que os realizadores se esforcem, não pode haver nada mais vulgar do que isso. Melhor vender o corpo do que a alma.

Mas o que há de mais grave no filme não é a total falta de vontade de dizer algo que valha, não é o conformismo barato de mercado, não são as "emoções", os "sentimentos altos" ou as vitórias pessoais a que é preciso ilustrar com um chocolate consumido para a câmera ou um lanche do Macdonald’s impingido goela abaixo. Também não é o fato de a sujeita vender até a figura da própria filha, que sempre aparece macaqueando no fundo da tela. O mais grave, nojento e desrespeitoso com esse mesmo público que Xuxa faz tanta questão de adular a cada fotograma é que seu filme consegue a proeza de se vender como modelo de cinema popular sendo um dos filmes mais elitistas que o cinema brasileiro produziu desde os abacaxis do tipo Independência ou Morte. Comparado a Xuxa Popstar, Sérgio Rezende perde de longe: todas as decisões, todos os movimentos do filme vem de cima para baixo, partem da eleita, da que sabe mais que todos nós, gentalha. É emblemático que o único mundo exterior do filme são os cenários da Barra, bairro modelo do "sai pra lá, pobreza" e da cafonice colonizada. É emblemático também que o momento alto (não vou resumir a estorinha porque a tarefa nem vale o esforço, os críticos de jornaleco que o façam), quando a agência de modelos em que Nick/Xuxa vai se salvar da lama, é quando a sujeita (sempre benevolente e caridosa) decide escolher entre o povão quem vai ser lançado (como se a expressão "popular" sempre precisasse desse referendo dos "bons") como cantor, modelo etc e tal, quem merece fazer parte do mundinho dela: é a idéia de que se somos pobres, sujos, selvagens, feios e mortos de fome, não é por falta de boa vontade do andar de cima , mas por incompetência da própria patuléia. A idéia de "time" que aparece num momento do filme, quando uma das bajuladoras se irrita com a inveja da concorrente da sujeita, é uma das coisas patéticas que já se imprimiu. No "seu" filme, é a tal da Xuxa quem manda (ou acha que sim: vã glória, já disseram) – e quem tem dúvida disso que leia o título de novo. Para Xuxa, povo serve para ser explorado, fazer figuração e aclamar os eleitos, de preferência bem no fundo da tela

Depois de toda essa vergonha mascarada com muita maquiagem (só assim para disfarçar), alguém ainda acredita que esse filmeco é cinema popular?. Que os animados mercantilistas defendam ao menos uma vez seus filmes, esses verdadeiros vexames nacionais, em vez de falar em cifras e se autopromoverem. De uma vez por todas: público é o MEIO de uma obra conquistar seu espaço, de fazer o que tem a dizer chegar às pessoas; público não é o FIM, como querem os corretistas do supermercado cultural. E que ao menos dessa vez fique a lição, nesse cineminha tão sem desejo de permanência: não dá para pensar em conquistar o mercado, como querem os chupins desmemoriados de nossa facção industrial (sic), enquanto não conquistarmos a independência das nossas cabeças sempre colonizadas, aristocráticas e estúpidas. Até esse dia chegar, imprima-se a mentira em celulóide desperdiçado. E só mesmo muito amor pelo cinema brasileiro para agüentar a usina de boçalidade produzida em série – pelo menos no terreno da imbecilidade nosso esforço de macaquear Róliudi parece estar dando certo.

No mais, o sentimento que fica ao fim da sessão é que é realmente triste ver esse país dar mais um passo de caranguejo. Como diria Paulo Emílio (é sempre bom consultar os gurus nos momentos difíceis), desta vez o Brasil perdeu. E que terrível exemplo para nossas criancinhas de classe média...

Juliano Tosi