Xuxa
e os Duendes,
de Paulo Sérgio Almeida e Rogério Gomes
Xuxa
e os Duendes, Brasil, 2001
Candidato novamente à recordista de público para o ano 2002,
Xuxa e os Duendes traz em seu formato-fórmula muito da relação
público-cinema brasileiro na última década. É
cada vez mais gritante a dependência que o Cinema Brasileiro vem
alimentando em relação à Televisão – principalmente
a Rede Globo, na criação de um universo audiovisual maciçamente
comunicativo.
Xuxa e os Duendes,
é um verdadeiro compêndio dessas estratégias de familiaridade
com o público. Os rostos de artistas e estrelas da TV funcionam
como instrumentos imediatos de identificação com o público,
principalmente o infantil, que lida com os personagens/artistas com a
proximidade estabelecida pela amiga de todos os dias: a Dona TV.
Xuxa e os Duendes
representa a limitada capacidade que o Cinema Brasileiro em geral
tem tido de criar seus próprios ícones. Todas as personas
do filme são trabalhadas a partir da fama televisiva das estrelas
– sintoma de um cinema que se fragiliza cada vez mais ao baixar a guarda
diante do discurso pré-estabelecido de grandes corporações
televisivas. O mistério audiovisual do cinema é ignorado
quando o chamariz de um filme passa a ser justamente a facilidade do público
de se sentir à vontade diante de figuras totalmente íntimas
e das quais já se sabe o que esperar.
Fora o personagem
de Karam (uma releitura melhor produzida do Baixo Astral de anos atrás...),
todas as figuras do filme tendem a fundir personagem e artista: Xuxa é
um enviada do reino das fadas, melhor amiga das crianças; Angélica
é a Fada de segundo escalão...; Ana Maria Braga é
a grande mãe bondosa e doce; Gugu Liberato é o empresário
que aprende que é possível ganhar dinheiro levando em conta
o bem-estar da Humanidade; e assim por diante... Esse artifício
aparentemente simplista é usado de forma muito inteligente quando
as personas dos artistas funcionam como pré-leituras da narrativa,
facilitando o entendimento da história e o papel de cada um no
filme:
Tudo começa
com o rapto do príncipe dos Duendes que acaba caindo na casa de
uma menina, Nanda. A menina e seus pais estão passando por uma
crise financeira e vão ter que vender a casa onde vivem. Xuxa é
uma vizinha meio mística, que fala com plantas e tem dois empregados
(Tomate e Alface - representando os típicos caipiras, o povo no
filme da Xuxa: bom e ignorante...). Quando Nanda encontra o príncipe
duende, a história começa a se desenrolar e, aos poucos,
vamos desvendando o mistério da origem mágica de Kira (Xuxa).
O filme se encaminha
como mais uma das infindáveis batalhas entre o Bem e o Mal: Xuxa
e os duendes defendem a Natureza, Gorgon (Karan) defende a ganância
e o capitalismo selvagem. Reitera-se assim o discurso empresarial da Responsabilidade
Social, com o empresário Gugu aprendendo no fim que pode sim ser
o Sr. Rico, desde que respeite a Natureza. Bondade no filme se associa
aos velhos parâmetros de Pureza: infância, limpeza, claridade.
Xuxa é o duende da luz com a missão de trazer luz às
trevas do mundo dos humanos. O enredo é uma cópia deslavada
da história de Hook, a volta do Capitão Gancho, onde
o crianção Robin Willians encarnava o Empresário
rico (Gugu) que descobria ser um ser especial (Xuxa). No caso do filme
americano, Peter Pan, aqui, o Duende da Luz. A idéia da incapacidade
dos adultos de sonhar e a necessidade de se lembrar da fantasia para salvar
o mundo, nos remetem exatamente ao discurso do Peter Pan de meia-idade
interpretado Willians. Até mesmo a necessidade de se bater palmas
para que as fadas vençam o mal é importada. Na cena mais
impressionante do filme, Xuxa olha para a câmera, quebra a diegese
do filme e pede ao público: Quem acreditar em Duendes, por favor,
bata palmas! O cinema inteiro se entusiasma e ajuda Kira/Xuxa a salvar
a Natureza. No final, como em Hook, é revelada a óbvia
surpresa de que a senhora que passara todo o filme contando a história
para seu neto, é a própria Kira/Xuxa, em 2037! A certeza
de que os Duendes e Fadas sobreviverão ao tempo é quase
infalível...
Os efeitos especiais,
ao contrário do que já se disse, não prejudicam em
nada o andamento do filme: são totalmente críveis dentro
do universo de fantasia estabelecido.
A imagem digital apesar
de ainda limitada, não prejudica a comunicação e
credibilidade de seus efeitos diante do público, principalmente
o infantil. Somada a isso a trilha sonora, que inclui uma insuportável
musiqueta de Carlinhos Brown, a atmosfera do filme é estabelecida
de forma bastante habilidosa e eficaz. Conseguem disfarçar as interpretações
pífias de 90% do elenco e pregar seu discurso de forma precisa:
No fim o que se tem
é mais uma obra-prima de um cinema de atrações televisivas,
que repete o discurso da bondade pura e do povo burro. Reitera a superioridade
daqueles que acreditam em Duendes, inclusive a Xuxa, e faz do mundo da
fantasia a alternativa mais eficaz para se fugir da crueldade do mundo
humano.
No final da projeção,
antes que se possa levantar da cadeira, entram imagens de bastidores,
no melhor estilo Bloopers/Vídeo Show: erros de gravação,
piadinhas de elenco e uma grotesca propaganda explícita de uma
marca de produtos de beleza "produzidos naturalmente". Num dos
últimos planos do filme, Xuxa aparece como Xuxa, apesar de estar
com roupas de Kira, e balança a pequena Sasha num balanço.
O filme termina assim,
com a apresentadora encarnando a si mesma, brincando com a filha num jardim
ensolarado! As crianças devem sair do Cinema com essa certeza:
de que Xuxa é um ser especial, iluminado; e que Sasha, por conseqüência,
é a herdeira direta de seu reinado...
Mitológico
exercício de autopropaganda, Xuxa e os Duendes revigora
de vez a figura de Xuxa como a segunda mãe, ídolo, e orientadora
comportamental de milhões de crianças do país. Tratar
os filmes de Xuxa como uma espécie de lixo cultural é tão
perigoso quanto ignorante. É preciso se observar com mais cuidado
a relação entre a TV e o cinema brasileiros - e reiterar
a necessidade da Televisão Brasileira se voltar de forma constante
à produção de Cinema no País. Dizer que um
filme da Globo/Xuxa é sinônimo de lixo da TV é um
discurso perigoso por se esquecer da necessidade gritante do audiovisual
independente brasileiro tomar o espaço televisivo no país.
Um espaço totalmente dominado por um pequeno grupo de grandes empresas
que não cumprem seus deveres básicos como difusores da cultura
cinematográfica nacional.
Não existe
mais, hoje em dia, Cinema isolado – é preciso enxergar o audiovisual
como um todo e perceber que, para além de se condenar os filmes
da Xuxa é preciso propor novas possibilidades. É preciso
lutar para que o circuito Cinema/TV no Brasil possa ir além dessa
repetição imbecil dos valores pseudo-humanistas que reinam
na boa elite empresarial de nosso país. Alta qualidade, baixa qualidade...
Inútil discutir nesses termos. O sucesso dos filmes da Xuxa é
sinal de que é preciso que o Cinema Brasileiro finalmente perceba
na TV uma parceira e não uma concorrente. Ficar buzinando a ladainha
da má qualidade é se deixar vencer pelo modelo Global de
cinema e se relegar ao ostracismo. Já está na hora do Cinema
Brasileiro cobrar seus direitos diante das Televisões e quebrar
de vez esse gelo estúpido entre seus representantes! A inimizade
com a classe cinematográfica é o principal trunfo das televisões
que não querem o diálogo. Enquanto mantivermos essa rixa
estúpida, a Rede Globo vai continuar produzindo seus filmes com
sucesso e sala cheia... E os cineastas e críticos brasileiros seguirão
batendo cabeça... sozinhos.
Felipe Bragança
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