X-Men,
de Bryan Singer
X-Men, EUA, 2000
O cinema há
muito tempo tenta trazer o universo das histórias em quadrinhos
para a tela grande. Entretanto, sempre esbarra na intradutibilidade dos
dois modelos, reduzindo um universo de vasta potencialidade ficcional
em meros clichês, numa simples transposição do modelo
original para as telas. A falha de tal erro pode ser facilmente percebida:
enquanto os quadrinhos trabalham com uma idéia de ficção
pura, desvinculada de realidade, o cinema, por mais que seja ficcionalizado,
apresenta um dado que jamais o fará escapar da verossimilhança:
ele registra o momento. É
exatamente no registro do momento que todos os filmes de super-heróis
falham: figuras estáticas nos desenhos, à medida que eles
ganham verossimilhança pelo registro do momento seus poderes passam
a ser superdimensionados, ridicularizados. Daí a dificuldade inerente
à transposição.
Uma segunda questão
se coloca: ao traduzir um modelo a outro, o que fazer? Repetir todo o
ritual que as HQs apresentam: uniformes, história original? Nesse
segundo aspecto, X-Men até que sai-se bem: adapta tudo que
poderia parecer ridículo numa transposição fiel de
todo o universo "x-maníaco". O mais importante, contudo,
diz respeito aos efeitos especiais: finalmente parece que o cinema consegue
dar conta dos superpoderes dos heróis sem soar ridículo.
Apesar de uns abusos despropositados de efeitos e de alguns morphings
de mau gosto, o filme esmera-se em criar efeitos adequados às
situações, e talvez pode-se até chegar a pensar que
os efeitos digitais finalmente conseguirão trazer novas realidades
ao cinema de aventura.
O que nos conduz a outro problema, o da escolha
do objeto: os X-Men, pupilos do Professor X e sua luta contra Magneto,
que fazem muito sucesso mundialmente a partir de uma reformulação
feita nos anos oitenta. O que são os X-Men? Antes de tudo, uma
parábola do racismo contra judeus e negros, a luta constante dos
mutantes para tentar esclarecer que não há problema em ter
nascido mutante e ser condenado simplesmente por ter nascido (aí
uma clara alusão ao nazismo). Pouco disso, infelizmente, se vê
no X-Men de Bryan Singer. O paralelo com o nazismo é outro:
o filme começa com o vilão Magneto ainda criança,
num campo de concentração, comendo o pão que o diabo
amassou ao ser separado de sua mãe (essa é a primeira seqüência
do filme). Mensagem recebida: Magneto a partir daí é recalcado
e paranóico a respeito da humanidade, e vai fazer de tudo para
que ela não repita o mesmo procedimento com os mutantes, podendo
lutar contra isso com todos os meios necessários. O filme de Bryan
Singer prefere não explorar a profunda ambigüidade presente
nos melhores momentos das HQs, onde Magneto já foi inclusive líder
dos X-Men; prefere, ao contrário, se valer do humanismo pé-de-chinelo
do Professor X que acha que "a humanidade não é ruim;
está apenas mal-informada". Fora de seu terreno verdadeiro,
o "inimigo" Magneto parece completamente desprovido de seu poder
de sedução.
Sedução, a propriamente dizer,
só encontramos num personagem secundário, o de Mística,
a mutante inimiga que tem o poder camaleônico de transmutar-se um
qualquer um, incluindo igualmente seus poderes. Personagem sem graça
na HQ, ela é a única que assume uma dimensão verdadeira
de personagem cinematográfica. Lá pelo fim do filme, quando
vemos seu corpo azul evoluir sob fundo vermelho, percebemos que o filme
esteve em algum momento no caminho certo mas preferiu não segui-lo.
Não que o filme não tenha momentos interessantes
sobretudo aqueles em que vemos Wolverine, muito bem desempenhado, com
a pedô Vampira, aliás Anna Paquin , mas Mística,
ao que parece, era a única possibilidade de trazer uma dimensão
verdadeiramente cinematográfica à história em quadrinhos.
Ruy Gardnier
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