Vovó...
Zona,
de Raja Gosnell
Big Momma's House, EUA,
2000
Há todos os
motivos para ser antipático com Vovó... Zona: um
humor rasteiro, a falta de pretensões e, mais que tudo, a completa
falta de carisma de Martin Lawrence e Paul Giamatti. Mas alguma coisa
no filme faz com que se tenha um segundo olhar, que se dê uma outra
chance ao filme. E essa alguma coisa é o lugar privilegiado
que a comédia americana tem hoje de brincar com os duplos (Eddie
Murphy n'O Professor Aloprado e em Os Picaretas, Michael
Keaton em Multiplicity ou até O Feitiço do Tempo,
esses dois últimos de Harold Ramis). Raja Gosnell já se
saiu privilegiado com seu Nunca Fui Beijada, filme em que Drew
Barrymore tinha que voltar aos tempos de high school para reviver
uma parte desagradável de sua vida. Agora, Gosnell dá carne
(e muita...) a Martin Lawrence, que tem que se disfarçar de Big
Momma do Sul, aquelas negonas protestantes que pesam 150kg, para fingir
de avó de uma suspeita e descobrir o paradeiro de um perigoso criminoso
que acaba de deixar a prisão.
O início do
filme, a esse respeito, não podia ser mais demonstrativo: numa
espécie de antro do jogo e do tráfico, Paul Giamatti, como
agente do FBI, é jogado aos cães. Um japonês começa
a desferir golpes a torto e a direito e, quando um dos criminosos puxa
seu cabelo em rabo de cavalo, aparece Martin Lawrence. Já se viu
tudo: ele é o grande herói dos disfarces, o grande investigador
do FBI que, mesmo um tanto atrapalhado, descobre tudo e vai até
o final. Remetidos à segunda missão, a que o filme mostra,
eles não têm dúvida: instalarão todos os equipamentos
de vigilância na casa da vovozona e, quando ela viaja para visitar
uma amiga no hospital, Lawrence terá que desempenhar o papel de
vovó...zona. O
enredo simples e bobo dá, entretanto, a oportunidade ao diretor
Gosnell de brincar com as situações a todo momento, e de
inclusive inserir na história um Martin Lawrence verdadeiro, que
deverá seduzir (mas acaba seduzido... a história se repete)
a neta para que ela lhe conte sobre o ladrão desaparecido.
O que mais agrada
em Vovó... Zona é a liberdade dada aos duplos para mostrarem-se
em seu poder verdadeiro, não mais como coisa falsa, mas como em
seu poder efetivo de duplo. O duplo é tema de muito medo
desde a Alemanha idealista. Em Poe, igualmente, podemos ver o homem da
multidão e o pobre William Wilson, que atirou em seu duplo e acabou
matando a si mesmo. O cinema americano hoje vive um período de
valorização do duplo que não é sem possível
analogia com toda a evolução da genética contemporânea
e com todas as experimentações que o corpo vem sofrendo
hoje (piercings, volta da maquiagem, implantes de silicone...).
Se antes víamos um duplo como uma perda de autenticidade, hoje
nós o vemos como aquilo que potencializa o nossa própria
existência. Por isso o plano final do filme faz naufragar todo o
projeto. Enquanto Martin Lawrence encarna a vovó...zona, o público
pode rir com a potência do falso. Tão logo ele abandona sua
fantasia e vai na Igreja se declarar à amada, o filme passa da
comédia livre ao prisioneiro drama lacrimejante. "Na verdade"
é uma frase que não poderia ser dita. Não em Vovó...
Zona, ao menos.
Ruy Gardnier
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