Voando
Alto,
de Bruno Barreto
A
view from the top, EUA, 2003
O único fio de interesse despertado por Voando Alto, o mais
recente filme americano do brasileiro Bruno Barreto, é resultante
do mesmo processo responsável por suas deficiências. Diz
o diretor que, graças à interferência da produtora
Miramax, seu filme virou outro, tendo pouco a ver com o projeto pré-filmagem.
Como nunca poderemos ver a obra idealizada, só nos resta avaliar
a projetada na tela. E esta é esquizofrênica, com olhares
opostos para o material, fruto de forças em conflito na produção.
Esse aparente antagonismo não se dá apenas sobre as opções
destinadas a obter eficiência narrativa, de modo a garantir ao produto
maior rendimento comercial, mas principalmente no tocante a posturas em
relação ao tratamento dos personagens. Como estes não
são apenas a representação de pessoas comuns mas,
sobretudo, símbolos de uma lógica social vista de fora pelo
realizador e de dentro pelos financiadores, temos uma oposição
nas visões sobre a sociedade americana.
Voando Alto
acompanha o processo de ascensão, no caso física e social,
de uma moça de Nevada que sonha ser aeromoça. Disposta a
escapar da sina de sua família, com ares de caipiras semi-urbanizados,
estagnada em uma vidinha previsível e voltada para si mesma, ela
vê no avião o transporte para o cosmopolitismo. Voar é
mover-se, subir na vida, abrir-se ao mundo, romper fronteiras. Nesse primeiro
momento, o filme legitima a ambição da heroína, ao
passo que despreza, a partir da narração da protagonista,
aqueles que ficam em seus cantos. Eles seriam os inferiores, acomodados,
gente fora de seu tempo. Em um segundo momento, a heroína é
objeto de riso. Assim como suas colegas ambiciosas, também dispostas
a fazer vôos internacionais e morar em Nova York, ela é exposta
ao ridículo, mostrada em roupas espalhafatosas, em atitudes infantilizadas,
como um ser patético, diante do qual somos induzidos, assim parece,
a nos sentir superiores. Predomina o olhar de estrangeiro do diretor,
disposto a ver o universo retratado com distanciamento.
Surge, porém,
uma curva. Ao mostrar as falcatruas de uma colega, disposta a tudo para
subir na profissão, Voando Alto resgata a legitimidade da
protagonista. Somos convidados a deixar de rir de seu jeito jeca para
nos solidarizar com a batalha por seu sonho. Cumpridora e defensora das
regras de manual empresarial, empenhada em se tornar uma funcionária
padrão, ela pleiteia um sistema meritocrático. Quer ascender
dentro das normas. A postura do filme não deixa de ser incoerente
em relação à essa cobrança pela meritocracia,
pois essa mesma norma exigida pela heroína também marginaliza,
parcialmente, o funcionário de uma empresa aérea com problemas
estéticos. Ela não questiona padrão algum, quer apenas
que estes sejam cumpridos. Já o sonhado cosmopolitismo da moça,
que a leva a dizer que mofava em Cleveland, enquanto a colega sem caráter
residia injustamente em Nova York, dá meia volta no desfecho. Ela
passa a querer abrir-se para o mundo sem ignorar a necessidade de criar
raízes familiares. Nada mais americano: poder correr pelo planeta,
mas optar em ficar no quintal. Subir para alcancar o céu doméstico.
O humor de Voando
Alto, em muitos momentos, é involuntário. Surge da falta
de pudor para cair na completa bagunça narrativa. Não é
o caso de responsabilizar ou isentar o diretor, embora, a despeito das
alterações feitas pela Miramax, o nome dele está
lá, estampado nos créditos. Também é uma tentação
ver na trajetória da protagonista um reflexo da própria
trajetória de Bruno Barreto. Radicado nos EUA desde o início
dos anos 90, para não parar de trabalhar com o fim da Embrafilme,
o realizador, como sua personagem, também buscou transpor fronteiras,
sem, no entanto, abrir mão completamente de suas raízes.
Sem fazer nada de relevante em sets americanos, com exceção
do pouco visto Atos de Amor, Barreto filma um lá e outro
cá, talvez para manter certo cartaz por aqui e para sentir um autor
com identidade, não apenas um funcionário dos produtores.
Voando Alto,
no entanto, é muito pessoal. E pode ser encarado como uma fabulação
sobre a globalização, que gera tanto movimentos culturais
de dentro para fora como de fora para dentro. No caso especifíco,
são tantos os movimentos, para tantos lados, que o resultado, em
virtude dessa turbulência gerada por diferentes rotas para um mesmo
avião, termina em labirintite.
Cléber Eduardo
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