Velvet
Goldmine,
de Todd Haynes
Velvet
Goldmine, EUA, 1999
Ewan McGregor é
Kurt Wilde em Velver Goldmine
Velvet Goldmine pode
enganar o espectador desatento. E de fato engana. Pois o espectador está
acostumado, sempre quando o filme é situado no passado, à reconstituição,
aos costumes de época, a uma história que entre nesse meio (como em Boogie
Nights ou em Titanic). Pois o interesse de Todd Haynes não
está aí. Ele não tem o menor desejo de reconstituir, de representar. Todo
o interesse dele é apresentar as coisas, colocá-las aos olhos
do espectador sem que haja necessidade de qualquer rebatimento (histórico,
cinematográfico, etc.). Talvez por isso seja um filme tão mal compreendido.
Porque não é uma história, é uma emoção.
No
começo dos anos 70, Brian Slade (personagem fictício que mistura várias
características das vidas de artistas glam) começa uma meteórica
carreira musical, usando visualmente de todos os apetrechos andróginos:
estava começando o glam-rock. O filme parte da história de um
jornalista, ele próprio ex-fã de glam, que quer saber o que se
passou com Slade. O filme toma emprestada a estrutura de Cidadão Kane
primeiro ele entrevista o tutor, depois a mulher e por fim o melhor
amigo para desvendar o que se passava, como em Cidadão Kane,
por trás do mito (aliás, é esse o sentido da citação).
Mas
a coisa mais bonita do filme é que, se ele tem um tema apenas, esse tema
não é o glam, não é Brian Slade, não é o jonalista. O tema do
filme é a relação que o ex-fã de glam redescobre à medida que
vai se aprofundando em seu tema. Numa das cenas mais bonitas do filme,
vemos o menino que vê Slade na televisão, e seu imaginário grita para
os pais conservadores: vocês não estão vendo, este sou eu, eu sou
igual a ele e quando ele olha para os pais, observa o desgosto que
eles sentem no ídolo (logo, nele próprio também).
Haynes,
tido como um cineasta cáustico e desmisitificador, nesse filme pega seus
personagens pela mão. Se Slade é ídolo, ele também é fã do artista Curt
Wild, roqueiro que dá tudo de si no palco. Wild (que é baseado em Iggy
Pop mas que em uma cena está a cara de Kurt Cobain, do grupo Nirvana)
é apresentado a Slade, e os dois começam uma relação de amizade profundo
que vai acabar por destruir a carreira e a vida pessoal de ambos. Mas
a câmera de Haynes não julga nem predetermina ela apresenta os
dados, o espectador que julgue se quiser. Rocambolesco, filmando tudo
em uma espiral desnorteante, Haynes mistura no mesmo registro de imagem
o sonho, a lembrança, a vida real. Não há faux raccords, como
de forma geral não há nada de negativo no filme.
Um
belo exemplo está no começo do filme, um século antes de tudo começar:
numa escola, os meninos respondem o que querem ser quando crescerem. Ao
que vemos o pequeno Oscar Wilde, em meio de futuros advogados, contadores,
médicos, dizer I want to be a pop artist. O âmago do filme
pode se reduzir a isto: não à imagem como falsificadora da realidade,
não à maquiagem para esconder o real, mas à imagem como produtora de uma
realidade, como uma realidade compartilhável e compartilhada. E Todd Haynes
quer compartilhá-la conosco. É isso que faz de Velvet Goldmine um
filme maravilhoso.
Ruy
Gardnier
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