Vanilla
Sky,
de Cameron Crowe
Vanilla
sky, EUA, 2001
Assistir a um "remake americano" de filmes inventivos feitos no outro
lado do Atlântico é uma boa maneira de conhecer o processo
de feitura de roteiros e "projetos de filmes" hollywoodianos (há
muito tempo que os filmes são muito mais do que simples filmes
em se tratando de Hollywood e do multimilionário mercado mundial
que ela cobre). Um filme é uma marca, ou melhor, um apanhado de
marcas que se transforma numa macromarca. Vejamos: Tom Cruise, romance
entre estrelas, Cameron Diaz, história moderninha onde a realidade
não é o que parece ser (aliás, depois de Clube
da Luta, Matrix, Amnésia e o recente Uma Mente
Brilhante, esse mecanismo já passou a ter valor de clichê).
E grandes projetos lidando com grandes marcas como essas obviamente têm
certas restrições, que é muito interessante observar
(é claro que existem diretores que conseguem subvertê-las,
mas em se tratando de Cameron Crowe jamais será o caso; e, em todo
caso, é outra história).
Pois bem: analisar
um filme comparando-o com outro quase nunca é um bom instrumento,
mas em Vanilla Sky beira a perfeição. Em Abre
los Ojos, o protagonista engana o amigo fiel e trata as mulheres como
gado, sem fazer questão de ser minimamente simpático. Mas
Tom Cruise não cairia no golpe de Eyes Wide Shut pela segunda
vez: em Vanilla Sky, ele até age contra o amigo e contra
a quase-namorada que é Cameron Diaz, mas em contrapartida o amigo
pode se revelar um canalha e a sua "amiga sexual" uma psicopata de marca
maior. O filme de Cameron Crowe bebe muito no original de Alejandro Amenábar,
só realizando algumas alterações minúsculas
(mas decisivas na chave de compreensão do filme) na narrativa.
Um dado aparentemente incompreensível é o aumento de foco
numa possível conspiração que os outros acionistas
da empresa de Cruise possam ter iniciado, enlouquecendo o pobre empresário.
Mas isso tudo seria
meramente eventual caso o poço profundo que existe entre o original
espanhol e a filial americana não residisse na direção
e no tom dado ao filme. Alejandro Amenáber é um cineasta
talentoso, que tem um gosto ímpar no cinema contemporâneo
para criar timings e, acima de tudo, tem o gosto pela simplicidade elegante.
Em Cameron Crowe, que maior diferença pode haver! Em Vanilla
Sky os grafismos abundam, eternamente desnecessários, como
desnecessária é a introdução do filme em plena
Times Square. Parece que nem por um instante diretor e ator-produtor quiseram
fazer um filme sobre a confusão mental de uma pessoa que não
sabe se vive a realidade ou num sonho montado por outros. Ou até
quiseram, mas nem tanto: o sofrimento de Tom Cruise é ambientado
com "Good Vibrations" dos Beach Boys (claro, porque a "marca" de Cameron
Crowe é a música pop... questão de griffe) ou simplesmente
relativizado quando seu personagem quer se mostrar para o psiquiatra que
vem visitá-lo, equilibrando-se numa mesa e relatando seu passado.
É engraçado que o personagem de Cruise use uma máscara,
pois trata-se de uma metáfora evidente: Vanilla Sky, à
maneira como se fala dos jogadores de futebol, é um filme mascarado,
que quer produzir mais frisson do que pode.
Ruy Gardnier
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