O Terno de Dois Bilhões de Dólares,
de Kevin Donovan

The tuxedo, EUA, 2002


Vamos deixar algo bem estabelecido logo de saída: eu sou um fã de Jackie Chan. Não apenas um fã, mas um admirador enorme de sua capacidade de ser um dos maiores fenômenos "antropocinematográficos" do cinema, quase um anacronismo num tempo de tantos efeitos e computação, criador de uma magia única com suas lutas em coreografias absurdas que misturam humor e habilidade, e ao mesmo tempo desafiam as leis da física. Não só isso, como Chan tem uma qualidade essencial: consegue rir de si mesmo, o que já demonstrava nos seus filmes orientais, mas que ampliou ainda mais na sua ida a Hollywood, onde coloca-se como um estranho no ninho ainda maior, seja na prática dos seus personagens estrangeiros (como nos dois filmes da série A Hora do Rush) ou principalmente estranho a um modelo de produção.

Neste Terno de Dois Bilhões de Dólares já no início vemos que está lá a boa e velha capacidade de Chan de rir de si mesmo: após uma briga de rua ele, encarnando um taxista oriental nos EUA, afirma que "nem todo chinês pode ser Bruce Lee". O que é uma piada dupla, primeiro porque ele, mesmo no ápice de suas habilidades, com seu físico diminuto e seu jeito falsamente desengonçado, nunca foi Bruce Lee. Segundo, porque dentro do filme ele interpreta um completo "paisano", ou seja, não seria mesmo um conhecedor das artes marciais. No entanto, na medida em que o filme avança percebemos que há aqui um problema de dupla leitura: o filme em si se propõe uma sátira, no caso dos filmes de James Bond. Sátira esta que vai de piadas dignas de um humor mais absurdo (como a senha num encontro com uma agente secreta mulher ser "Belos peitos"), ao espírito paródico e iconoclasta da boa comédia de um Mel Brooks ou do grupo ZAZ, com utilização dos clichês e formatos típicos de um gênero, ridicularizados. Não se pode dizer que não haja algumas boas piadas, nestas searas. O problema está justamente na mistura delas com Jackie Chan.

Sim, porque Chan é uma piada em si mesmo, sempre. Portanto, quão mais "natural" seja a encenação que acontece em torno dele, mais absurdo ele parece. Quando tudo em volta já é absurdo, ele diminui seu apelo. Outra questão é o fato do filme justificar as habilidades de Chan com um terno (na verdade um smoking) superpoderoso e "high-tech", que dá poderes sobrehumanos a quem o usa. Ou seja: Chan é quase um super-herói, o que pressupõe muitos efeitos especiais, e muitas cenas de ação completamente impossíveis. Pois, se todo o charme de Chan vem de seus lances absurdos serem efetivamente realizados por ele, fisicamente, em suas coreografias e movimentos, sem dublês, e não apenas humanos como perpetrados por este baixinho engraçado. Se ele é uma marionete de efeitos visuais e de um terno, poderia ser qualquer um: porque Jackie Chan?

A prova maior da sua inadequação ao filme está nos créditos finais: é praxe em todos os filmes dele se exibir nos créditos finais as cenas filmadas em que seus golpes e malabarismos não funcionaram (muitas vezes resultando em contusões sérias). Aqui, não havia nenhuma cena destas a ser exibida, então passam erros de gravação que mais parecem uma má edição do nosso Video Show: atores que erram suas falas, câmera indo na direção errada. Uma síntese do que é o filme todo: tudo menos Jackie Chan. O filme é ruim? Nem chega a ser exatamente isso, uma vez que o sentido cômico do diretor cria alguns bons momentos, assim como Chan colabora com seu lado de palhaço (a cena com James Brown é ótima). Mas, falta, basicamente, a magia do cinema de Chan. Sobra um famoso "falso" filme B americano comum, feito com bom orçamento e algum humor autocrítico, mas nada mais.

Eduardo Valente