As
Três Marias,
de Aluizio Abranches
Brasil,
2002
Como uma bolha superinflada, a narrativa multifaces de As Três
Marias decepciona por sua incapacidade de chegar ao ápice de
sua ruptura. A costura entre a linguagem de cordel e a computação
gráfica expressiva, apontam para um curioso diálogo entre
a linguagem farsesca da literatura de cordel e a linguagem falseada dos
videoclipes. O discurso semi-teatral e o barroquismo da imagem videoclipada
acumulam no filme uma carga gigantesca de alegoria, de tensão.
Filme de clima. Uma tensão inflada pela trilha sonora de fusões
rítmicas de André Abujanra, chegando ao ponto ápice
da fábula, na figura dos mapas computadorizados que levam as três
mulheres a seus destinos (até aqui o filme entusiasma pelo inusitado).
Meio faroeste, meio
aventura, meio suspense – uma profusão de gêneros se interpenetram
não chegando a reinventar-se claramente em novo discurso. As atrizes,
centro de expressividade do filme, vagam entre a falsidade precisa, e
a precisão falseada – deixando a cargo de Julia Lemmertz o lugar
de destaque. Abranches alcança na figura esguia da atriz, o equilíbrio
perfeito entre a fantasmagoria e a realidade física, que falta
às outras quatro e mesmo ao filme como um todo.
A violência
do filme tem o mérito curioso de sua falta de justificativa plausível,
apostando numa ausência de descrição (no máximo
um esboço irracional) dos motivos de cada ato. A questão
é que, trabalhando em estatuto alegórico-fabular, Abranches
acaba por criar um clima excessivo de expectativa que (se não tem
resposta na narrativa), também não consegue se desentrelaçar
esteticamente. O filme fica assim, uma bolha inflamada que murcha diante
do espectador, sem ter para onde ir. O roteiro ainda tenta dar-lhe alguma
graça num incompreensível e equivocado rocambole final em
flashback, criando surpresa onde não há. As cenas em que
as três mulheres matam os assassinos de sua família são
de uma pobreza imagética extrema, incapazes de responder à
altura a todo o belo falatório e à trilha sonora entusiasmada.
Se a alegoria aceita
os estereótipos e os "tipos" nordestinos caricaturados,
se o cordel trabalha com o relato fabular dos fatos superficializados,
As Três Marias se desdobra num final insosso, num anti-clímax
indiferente que não funciona. Promessas demais na mis-en-scène
requerem muito fôlego narrativo e muita firmeza na direção.
Se o ritmo cruamente demarcado da trilha sonora (e o corta-recorta da
montagem clipeira), se casam de forma instigante com as palavras demarcadas
do cordel, o roteiro não se sustenta de forma satisfatória,
esvaziando as personagens como fantoches abandonados.
Para a perplexidade
silenciosa da última sequência, é necessário
um altíssimo grau de identificação/intimidade entre
a presença física das personagens e a do público.
No filme, tudo se passa de forma tão teatralmente distanciada (como
um relato fabular em jogo de máscaras) que apenas um desfecho alegórico
e fabular se fazia possível. Abranches, pelo contrário,
abaixa o tom do filme, abaixa a bola de suas personagens e decepciona
com cenas e diálogos desafinados – acovardados. Sem saber para
onde ir, ou sem coragem, não vai para lugar algum...
Uma experimentação
curiosa e equivocada, de um despudor admirável. Só isso(?).
Felipe Bragança
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