Tudo
Bem, Até Logo,
de Claude Moriéras
Tout va bien on s'en vas,
França, 2000
Existem filmes que
escolhem sempre os caminhos mais fáceis, mais óbvios ao
tratar dos assuntos a que se propõem. E existem aqueles que ousam
um pouco mais. Geralmente se confunde que o que diferencia um do outro
seriam índices de fácil leitura, como a ordem da sua estrutura
narrativa (a ordenação entre começo, meio e fim,
no geral), ou o comportamento dos personagens (entre naturalismo e artificialismo).
Como se filmes baseados principalmente numa narrativa linear e de encenação
naturalista fosse, obrigatoriamente, óbvio, quase um clichê.
Pelo contrário, os maneirismos de linguagem é que tendem
a se tornar rapidamente clichês a serem usados para parecer "inovador",
enquanto o difícil é trazer novidades ao tão clássico
formato mais comum do cinema.
Logo nas primeiras
cenas de Tudo Bem, Até Logo percebe-se sua adesão
ao mais clássico modelo narrativo. Mas percebe-se também
algumas das características que o fazem especial. A começar
pelo fato de que os personagens não se explicam no que falam (como
é tão comum no cinema francês), mas no que fazem,
em como agem. Suas falas não são, portanto, meras muletas
para o diretor deixar claras suas intenções. São
os reflexos daqueles personagens, que parecem enigmáticos quando
simplesmente não são unidimensionais. E, tão importante
quanto, não se usa o flashback para explicar o presente,
outra muleta de simplificação. O passado aparece aqui apenas
pelos efeitos que causa no presente, mas não como explicação
deste. Vemos que há em todos os personagens em cena cicatrizes
profundas, mas elas não precisam ser descritas e simplificadas.
Embora sutis, estas características já tornam o filme absolutamente
especial no coletivo da produção cinematográfica
atual. Mas não são suas únicas qualidades.
Devagar, no seu ritmo
absolutamente estudado e respeitoso de desvendamento narrativo, o filme
tematiza a questão da esclerose. Esta é uma das mais dramáticas
condições humanas (a perda de controle sobre o que se é
e sobre o que se foi), mas o cinema tem extrema dificuldades em retratá-la
como algo mais do que um alívio cômico. Aqui temos uma dimensão
real do sofrimento e impotência que a condição causa
ao que sofre dela, e principalmente aos que estão em torno dele,
porque não sabem como lidar com este fato. Um outro dado que muito
engrandece o filme é que nenhum personagem é demonizado
nem santificado. Nossa identificação não se dá
por uma confrontação de bem e mal, mas com todos os personagens
no que possuem de mais frágil e humano. Todos erram, o tempo todo.
E isso só os aproxima mais, e nós deles. O personagem central
do pai tem a possibilidade de proferir uma frase tão dúbia
e dolorosa como: "Só fui corajoso uma vez na vida: quando abandonei
vocês", sem com isso ser um vilão, muito pelo contrário.
Justamente por todos
estes cuidados, decepciona um pouco o final do filme, onde a morte parece
uma solução fácil demais para os conflitos levantados.
Mas, certamente isso não apaga nem diminui o prazer de se ver um
filme que consegue passar para a tela um pouco da dimensão da experiência
humana no que ela possui de mais prosaico, e por isso mesmo, complexo.
Um belíssimo filme, no qual direção e atores falam
sempre a mesma língua.
Eduardo Valente
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