Tosca,
de Benoit Jacquot
Tosca,
França, 2000
Algumas perguntas são inevitáveis antes de se começar
a assistir a Tosca. Seria esse um filme extraído de uma
ópera, com autonomia cinematográfica, ou apenas uma ópera
projetada na tela? Um pouco dos dois. Algumas soluções técnicas
e estruturais, como os cortes na montagem, as variações
de distância da câmera em relação aos atores,
a alternância entre imagens em preto-e-branco e coloridas, a diferença
cromática entre um trecho e outro, mais a divisão da narrativa
em três espaços cênicos, não seriam possíveis
de serem executados em um palco. É cinema. Benoit Jacquot busca
uma espécie de sincretismo estético. Promove a convivência
de elementos das duas expressões para criar um corpo multiforme
(ou ao menos biforme). É sua tentativa de transformar a ópera
em cinema e não apenas filmar a dramatização musical.
Resulta em um esforço
evidente demais. E parcialmente frustrante. Jacquot passa a maior parte
do tempo no plano/contra-plano. A câmera raramente afasta-se do
rosto dos atores. Os artifícios narrativos, como as cenas de ensaio
dos músicos e as imagens dos cenários reais da "história",
soam excessivos. Depois de uns tantos minutos, parecem apenas enfeites.
E talvez ajudem a dispersar o espectador. A força do filme está
no elenco e em Puccini. Ou seja: na ópera. As introduções
do diretor não parecem ter fundamento. Ele não transforma
nem transcria. Apenas simula inventar sem reiventar nada.
Uma outra pergunta
também é natural diante de uma proposta como essa. É
necessário ter grande conhecimento sobre Tosca, a ópera,
ou ao menos ter intimidade com a obra de Puccini, para poder absorver
o casamento entre imagens e a cantoria? Não há problema
- não para o filme, mas sim para o espectador - se esse for o caso.
O cinema também exige, em casos específicos, repetório
para ser assimilado. Alguns filmes de Julio Bressane e Jean-Luc Godard,
por exemplo, pedem reservas de erudição do espectador. Caso
contrário, ficam mancos. Ou mesmo impenetráveis. Não
é o caso de Tosca, embora, se a ignorância em relação
à matéria prima for completa, pode-se vagar sem rumo, sem
saber quando, onde e em que contexto tudo acontece, restando, nesse caso,
ater-se à universalidade da situação.
E universalidade há.
Começa com a relação entre um pintor e uma enciumada
morena de olhos negros, que não suporta a loira de olhos azuis
pintado em um dos quadros do amado. O artista começa a se encrencar
ao esconder um fugitivo. Será a razão de sua ruína
e a de sua amante, que terá de decidir se trairá a confiança
dele, entregando o fugitivo escondido, e se vai para o sacrifício
por seu amor. Ela tem de casar com um carrasco para livrá-lo da
morte. Portanto, com esse cardápio de questões apimentadas
(cíume, fidelidade, traição, sacrifício),
o leque se abre. Algumas passagens também permitem o salto aos
obstáculos por trasbordar emoção pelas cordas vocais
dos intérpretes.
Sendo a ópera
uma expressão de extravasamento emocional, sempre nos limites da
tragédia romântica, da inviabilização do amor
por forças das convenções sociais ou da ação
individual de algum personagem com poder de opressão, é
fundamental ao diretor não atenuar a força das entranhas
com a técnica. Jacquot lança-se a esse risco, sem ousar
uma inovação. No fundo, é tímido. Mais conhecido
no Brasil por O Sétimo Céu, sobre um cleptomaníaca
incapaz de sentir prazer sexual, ele é considerado por muitos críticos
como apenas "correto". No caso de Tosca, porém,
talvez nem isso. Seu descompasso está na dúvida entre dar
o salto e não tirar os pés do chão. Jacquot finge
saltar, mas finge sem convencer.
Cléber Eduardo
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