Timor
Lorosae - O Massacre que o Mundo não Viu,
de Lucélia Santos
Brasil,
2001
O que diferencia, afinal, um documentário de uma reportagem? Se
pensamos na diferença entre o Globo Repórter dos anos 70
comparado com o atual, talvez estas noções fiquem bem claras,
mas ainda assim difíceis de separar em categorizações
estéticas ou narrativas. É algo que se sente, muito mais
do que algo que se consegue apontar passo a passo. Certamente não
está definido pelo suporte, porque aquilo que Coutinho faz com
o vídeo certamente é documentário, por exemplo, e
não reportagem. Está talvez, acima de tudo, mais relacionado
com a diferença entre informar e questionar. Entre apresentar fatos
e apresentar perguntas aos fatos. Mas, a confusão é grande.
Quando surge este
Timor Lorosae talvez esta seja a grande pergunta que o cerca: afinal,
trata-se de um documentário ou de uma reportagem? Se visto como
reportagem, devemos dizer: faz um belo trabalho. Eu entrei na sala de
cinema praticamente um ignorante sobre o Timor Leste, e saí de
lá com uma boa idéia do que historicamente foi o processo
pelo qual o país passou, a importância de uma série
de nomes, algumas imagens reveladoras. Saí, sem dúvida,
com mais conhecimento do que eu tinha quando eu entrei. Realiza um trabalho
de pesquisa de imagens, de História e de costumes louvável,
e passa na montagem e na narração inicial uma séria
agilidade e capacidade de informar muito fortes. Ponto mais que positivo
ao filme.
No entanto, que tal
pensarmos na tal palavra arredia: documentário. Lucélia
Santos demonstra em inúmeros momentos um autêntico instinto
documentarista. No seu interesse pelos entrevistados ou na forma como
conta tanto com as fontes oficiais quanto com os representantes das classes
mais baixas (a "gente comum"). Este seu impulso de conhecer o mundo, o
outro, é ainda mais louvável se pensamos no seu background
como estrela global. Entre tantos possíveis hobbies excêntricos
(desde a bocha até o cultivo de carpas), ela optou por seguir curiosa
pelas pessoas e pelo ser humano, se colocando numa (para ela) desnecessária
posição de vidraça aliás (nada seria mais
fácil do que ela ser ridicularizada como a atriz da Globo metida
a cineasta).
Mas, o fato é
que como documentarista ela ainda não conseguiu superar a boa reportagem.
Em inúmeros momentos questões parecem que virão à
tona, mas o filme não demonstra sensibilidade (ou interesse mesmo)
suficiente para levá-las adiante. Há, por exemplo, nas imagens
absolutamente sensacionais de Max Stahl (disparado o grande momento do
filme) esta urgência que o filme em si não possui. Não
simplesmente por terem enorme carga dramática, mas porque fazem
o espectador sair da cadeira com as perguntas essencias: até onde
o ser humano pode ir no descaso com o outro? O que motiva tamanho ódio
entre as pessoas? Como construir uma nação por cima de imagens
como aquelas (que certamente não eram incomuns)? Estas perguntas
o filme não consegue aprofundar, como não consegue ser mais
do que um interlocutor burocrático com as pessoas que trava contato.
Só temos o Xanana Gusmão com seu discurso oficial, só
temos falas que corroboram o que vimos. Falta a surpresa, falta o pulo
sem rede de proteção.
Talvez possa-se argumentar
que não era nada disso que a diretora queria passar, que o que
ela tentava era só contar a história do Timor aos que não
o conheçam. OK, é válido o argumento. Mas, então,
reforçamos: foi feita uma belíssima reportagem sobre o assunto.
Um documentário, ainda não. Nenhum julgamento de valor embutido,
mas é preciso pensar a diferença. O próprio filme
indica isso: lá pelos 54 minutos de duração (provavelmente
não por acaso, o tempo geralmente dado pelas TVs a cabo a um programa
regular), a história parece ter chegado ao fim, com um desfecho
adequado e plenamente informativo. Parece que a reportagem ali termina,
e é ótima. Mas, o filme continua mais 20 minutos 9que, talvez
livres das amarras do início) são mais "documentários".
Mas, são fracos, e tiram a força do final anterior. A impressão
que se tem é que há ali uma edição para a
TV (que é muito boa), e uma para o longa metragem, que não
é tão boa, é frouxa. Se não for por este motivo,
ainda assim serve de exemplo claro do que se tenta dizer quanto a reportar
e documentar. Lucélia já é uma boa repórter.
Documentarista, ainda não, mas está tentando.
Eduardo Valente
|
|