O Dom da Premonição,
de Sam Raimi


The Gift , EUA, 2000


Sam Raimi domina o riscado de climas, sustos e estranhezas, como qualquer fã da série Evil Dead pode lembrar. Da mesma forma, ele consegue construir personagens consistentes (Um Plano Simples) ou brincar com as convenções de gêneros (como no western-pastiche Rápida e Mortal). Por isso tudo é que não se poderia esperar menos do que um filme interessante quando ele se dedica a fazer um filme de climas, sustos e estranhezas, que se apóia em personagens, e brinca com convenções de gêneros (o filme de tribunal, o ambiente "sulista"). Só que nada acontece. O Dom da Premonição tem o "feeling" do filme realizado em ponto morto a cada fotograma, a cada virada na trama, a cada criação de clima. Nada parece verdadeiro (e isso NÃO é um elogio), nada parece vir de uma necessidade que não seja a entrega de mais um filme para a máquina de moer do circuito.

O começo é até promissor, porque mistura algumas tramas paralelas que deixam o espectador ansioso por ver de que forma elas encontrarão seu caminho conjunto. Só que é inútil. Logo o filme é vencido por um grupo de atores em uma "egotrip" de "overacting" total (Keanu Reeves, Giovanni Ribisi, Hillary Swank) da qual só escapa mesmo o sempre interessante Greg Kinnear. Cate Blanchett parece desentusiasmada, com saudades talvez de personagens menos clichês do que a "vidente sensível e incompreendida". O fato de a trama ser mais e mais óbvia é menos grave do que a utilização de personagens e situações apenas para fazer a história andar. Isso acontece por exemplo, com o uso dos "flashbacks" ou das premonições, que possuem tão somente função narrativa óbvia, sem nunca serem questionados no seu estatuto de "reais". Ou seja, tudo aquilo que um personagem se lembra e é filmado, tem a força de verdade, e nunca de versão. Da mesma forma acontece com as premonições da vidente. Toda imagem do filme é, portanto, "real", e assim sendo Raimi joga fora a chance de uma discussão bem mais interessante do que o "quem fez"?? Mas nada é mais insuportável do que a função do personagem de Ribisi que é apenas um McGuffin sem utilidade narrativa, apenas usado como pista falsa, como problema de consciência, e como "deus ex-machina" num momento final. Poderia ser considerado até um fator de perturbação, de quebra da "verdade", mas um lencinho no bolso (quem viu o filme entenderá, quem não viu não sofre tanto com a revelação) é o detalhe que joga por terra qualquer interpretação possível neste sentido.

Resta torcer que o desafio de filmar o Homem Aranha traga de volta o Raimi surpreendente e apaixonado por seus projetos, porque depois de Por Amor, este Dom da Premonição confirma outro dos atributos de Raimi: ser burocrático quando necessário.

Eduardo Valente