Taurus,
de Alexander Sokurov
Telets,
Rússia, 2001
Será necessário conhecer a história da URSS para
se assimilar as nebulosas imagens de Taurus? Sim e não.
Não parece haver dúvida de que, munido desse conhecimento,
o espectador terá uma ferramenta a mais. No primeiro plano, afinal,
está Vladimir Ilyich Lenin (1870-1924). Líder da Revolução
Bolchevique de 1917, do Partido Social-Democrata Russo, do Partido Comunista
Russo e da própria URSS, sua figura é um ícone político.
Entendê-la enquanto imagem, antes de sua representação
ser projetada, amplia sua dimensão na tela. Lenin foi um estudante
aplicado do marxismo. Embora acreditasse na capacidade revolucionária
do fluxo histórico, apostando na reação espontânea
dos proletários às condições econômicas
e sociais desfavoráveis, mudou de postura ao defender a intervenção
dos intelectuais. A teoria e a razão deveriam ser a vanguarda para
as transformações a serem operadas pelos homens de ação.
Quando começa
Taurus, esse homem de ciência, agora doente, está
à espera da morte. E em crise. Organizador de sentidos para um
sistema político, a partir do sentido histórico proposto
pelo marxismo, ele passa a questionar o sentido de tudo. Vive o colapso
da razão. Confinado em uma casa expropriada pelo Estado, sussura
palavras sobre o momento de seu país. Fala das punições
comandadas por Stalin, lamenta a ausência de rebeldes no cenário
daquele momento e põe em questão o projeto revolucionário.
Somos colocados em um pequeno mundo dotado de uma perturbadora atmosfera
de vigilância permanente. As conversas de corredor e olhares por
frestas de portas acentuam a sensação de temor presente
nesse sistema policial. Se um dia foi visto como o meio para a revolução,
o Partido tornou-se o próprio fim do sistema.
Entrevado nesse ambiente
onde todos são funcionários públicos, sem espaço
para o privado, Lenin põe em xeque a Revolução e
sua própria vida. Por trás de suas lamúrias, há
uma dúvida essencial. Algo teria valido a pena? Essa pergunta,
cuja resposta está na própria morbidez da formulação,
transcende a política. Saímos do materialismo e entramos
na metafísica. Nesse sentido, respondendo à pergunta do
início do texto, Taurus desvincula-se da URSS. Atinge o
fundamento do cinema sokuroviano ao usar um homem público e uma
celebridade do século XX para tratar de algo comum a muito de seus
personagens fantasmagóricos: a constatação de que
a vida é um grande absurdo.
Sokurov faz um cinema
que, ao buscar a transcendência, apenas enxerga esterilidade. Isso
é traduzido, esteticamente, pelas imagens opacas. O cineasta filma
os atores envoltos em uma bruma como se fossem zumbis descarnados. Não
há vida. Pois a vida só é pertinente na arte, para
o diretor. Só ela poderia atingir a perfeição. Chegamos
ao eixo desse lamento "religioso". Para o autor, o mundo precisa ter peças
que se encaixam umas nas outras, caso contrário, não é
viável. Há uma constatação nisso, estupefata,
de que não há um Deus. Mas deveria haver. Seus filmes mostram
como o projeto humano de tornar as vidas individuais e coletivas uma experiência
baseada na lógica e na justiça é um fracasso determinado
não só pelas condições políticas, mas
principalmente pelas limitações e pela maldade inerentes
à natureza humana. O homem, para Sokurov, é mau. E não
há nada para ensiná-lo a ser o contrário disso.
Cléber Eduardo
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