O Exterminador do Futuro 3 –
A Rebelião das Máquinas,
de Jonathan Mostow


Terminator 3 – Rise of the Machines, EUA/Alemanha, 2003

Come with me if you wanna live

O fato de esta frase pertencer a dois filmes que tematizam o apocalipse e a possibilidade de uma hecatombe nuclear diz muito sobre o tipo de ambigüidade que caracteriza todo o projeto de cinema de James Cameron. Uma vez estabelecido seu interesse por pós-apocalipses e toda a sorte de eventos catastróficos, quais os gestos, as ações ou os gêneros de trabalho que seus filmes se interessam por mostrar? Para esclarecer algumas destas questões – interessantes para a compreensão do que separa Cameron de outros cineastas que trabalham com temáticas semelhantes – talvez seja de bom tamanho lembrar aquela que talvez seja a principal cena do primeiro Exterminador, tão importante que Cameron a "transportou" para o segundo filme da série: a de alguém estendendo sua mão para salvar uma pessoa.

Para Cameron, o ato humano só é possível diante das situações mais improváveis, e nenhum de seus filmes ilustra melhor esse ponto de vista que os dois Exterminador do Futuro. Estes são filmes que estimam enormemente demonstrações de humanidade: o amor que surge entre o soldado do futuro e a garçonete que será mãe do líder da resistência humana, a vontade de humano que o Exterminador adquire durante o percurso com o jovem John Connor. Podem parecer antiquadas, piegas, simples e puramente cafonas; o fato é que a Cameron interessa – no meio da brutalidade e da violência que caracteriza o mundo onde vivem esses personagens – uma busca intensa por tais demonstrações. São essas as engrenagens de uma dramaturgia que observamos em todos os seus trabalhos: os piores momentos do ser humano fazem surgir os mais belos atos de humanidade.

I'm back

As estradas que figuravam ao final dos dois primeiros filmes da série davam uma bela noção das intenções de Cameron e do tom que importava para ele imprimir no desfecho de cada filme: o primeiro Exterminador acabava numa rodovia que após ter sua geometria ocultada pelo horizonte, tinha como extensão uma montanha da qual metade da geografia era encoberta pela sombra de grandes nuvens cinzentas enquanto a outra metade era inundada por uma intensa luz de sol ("vem um temporal por aí", diz um garoto pouco antes do desfecho); no segundo havia apenas uma estrada obscurecida e finalmente engolida pela noite, o percurso incerto dos personagens representado tanto pela escuridão que toma toda a tela antes dos créditos finais quanto pelo trajeto percorrido pela câmera de Cameron.

A perspectiva nos mostra que todas as paralelas que seguem numa determinada direção juntam-se num mesmo ponto do horizonte denominado ponto de fuga. Jonathan Mostow, belo arquiteto de imagens, sabe bem disso, e é tendo este conceito em mente que ele realiza A Rebelião das Máquinas. Primeiramente as primeiras coisas: Mostow, tendo boa idéia daquilo que precede seu filme (uma infinidade, vale dizer), sabe exatamente o que deseja reter dos dois episódios anteriores. Já de início um problema interessante surge desta opção: as estradas que encerram os filmes de Cameron retratam coisas bastante diferentes (no primeiro filme, o prenúncio de uma hecatombe nuclear e um sentimento de inevitabilidade combinados a uma vontade de luta por parte da protagonista; no segundo, o mundo das sombras e das incertezas que resta à mesma personagem após triunfar sobre o fatídico destino que lhe havia sido outorgado). Mostow faz escolha das mais arriscadas: A Rebelião das Máquinas toma o improvável por possibilidade, tenta materializar o encontro entre determinismo e luta com o destino, entre uma máquina de extermínio e um soldado que precisa cumprir sua missão. Enfim, entre o primeiro e o segundo episódio. Há uma fricção, um confronto interessante que surge entre idéias tão opostas, e o diretor espertamente faz todo o drama se estruturar sobre este conflito.

O que é interessante em A Rebelião das Máquinas é como Mostow faz seu filme funcionar como "ponto de fuga", como o que lhe interessa é promover o encontro entre primeiro e segundo Exterminador do Futuro. Não é necessário estranhar, portanto, o fato de Mostow ter feito de seu episódio um road movie. Inicialmente inerte, com a angústia de um John Connor adulto e sem muitas convicções, o filme progressivamente adquire tintas siderantes: tudo ganha movimento, a estrada possibilita e torna visível todo o tipo de articulação entre os personagens principais e dramaturgia e finalmente Mostow mostra a que veio, por que veio e de onde veio.

Sim, certamente há algo de Breakdown aqui: as estradas e rodovias, forças deterministas, materiais e inescapáveis; um homem e seu conflito para com tudo que lhe força ações abomináveis e violentas – Nick Stahl ou Kurt Russell, John Connor ou Jeff Taylor, tanto faz; uma encenação que observa atentamente o trabalho de máquinas mas que insiste em inseri-las nas paisagens mais terrenas – velhas rodovias, desertos, cavernas, construções abandonadas; um interesse pelo mais moderno (a confrontação ser humano X as máquinas que os condicionam, o confronto entre as próprias máquinas) que surge aparentemente do mais clássico (um homem lutando com sua natureza, um grupo de pessoas lutando contra seus destinos).

Não podia ser mais feliz o fato de Mostow conseguir, dentro dos limites impostos pelo filme, tematizar aquela que talvez seja justamente sua grande habilidade enquanto diretor: a operação de máquinas pesadas por pessoas e as dificuldades originadas por este tipo de relação – dificuldades de craft, do equipamento pesado que são peças fundamentais a filmes como os de Mostow. As próprias figuras dos Exterminadores possibilitam analogias e inter-relações muito interessantes, mas é impossível deixar de destacar a desenvoltura do diretor ao criar sublimes seqüências de ação que obedecem rigorosamente a esse tema. A presença ameaçadora de caminhões de todos os tipos – fora computadores, celulares e aparelhos de leitura óptica que figuram em várias cenas – nos lembra do fato de que já pertencemos a um mundo repleto de máquinas. Quanto a Mostow, ele felizmente consegue manter uma boa relação com suas máquinas: a seqüência do caminhão-guindaste e todo o ato final exibem um tipo de artesanato cada vez mais raro no atual cenário do cinemão comercial. Cada corte, cada plano demonstra uma segurança que virtualmente inexiste hoje (salvas as habituais exceções: De Palma, Carpenter, McTiernan, Verhoeven) no cinema de gênero norte-americano. Para melhor trabalhar temas caros aos dois filmes anteriores da série, Mostow precisa re(a)ver boa parte daquilo que é essencial ao seu cinema.

I killed you

O problema do determinismo. O primeiro filme apenas propunha-o (e ainda assim numa chave bastante ambígua), o segundo dinamitava por completo sua possibilidade e neste terceiro é justamente o que Mostow transforma em principal tema. Se for de fato um problema, ao menos é um que Mostow explora de maneira invulgar. Existe um rigoroso modelo de encadeamento narrativo ao qual os personagens estão submetidos, disto não há dúvidas. Mas Mostow usa – ou ao menos tenta usar – os possíveis empecilhos deste artifício na própria dramaturgia do filme. O Exterminador diz que o destino é incontornável, mas é contra esta máxima que vemos o personagem de John Connor resistindo durante os 108 minutos de projeção. É provável que muitos achem duvidosa a chave fatalista que Mostow emprega durante muito do filme, mas é inegável o fato de que esse fatalismo é examinado através de pelo menos dois pontos de vista: um que o aceita de maneira pura e dura, outro que busca questioná-lo de todas as maneiras possíveis.

Uma vez compreendido e aceito o final que Mostow escolheu para O Exterminador do Futuro 3, faz-se necessário analisar aquilo que leva o filme à sua conclusão. A hecatombe, diz o Exterminador a John Connor numa passagem do filme, é causada por um sistema de defesa acionado contra um vírus de internet. Esse sistema de defesa pertence a um grupo de militares norte-americanos, e apenas após um telefonema do Pentágono é dada uma ordem que possibilita a ação desse sistema. Como bem apontou o amigo Daniel Caetano, nada de ambigüidades. Aqui está: um filme norte-americano, um autêntico blockbuster, que põe em discussão problemas internos dos Estados Unidos como pouquíssimos filmes fizeram desde... 11 de setembro. Da mesma forma que o Exterminador diz a John Connor "Eu matei você", Mostow parece indicar que o problema de seu país é o da confiança irrestrita, de um tipo de condição que permite àquele que diz proteger tornar-se a mais inesperada ameaça. Talvez seja menos um ato de coragem e mais uma vontade de coerência, uma necessidade de reflexão mesmo, que tenha feito Mostow escolher um final tão audacioso como o que encerra A Rebelião das Máquinas.

Bruno Andrade