A Senha: Swordfish,
de Dominic Sena


Swodfish, EUA, 2001


É o que John Travolta, na primeira seqüência do filme, nos propõe, conversando com os policiais que estarão a seu encalço durante o filme todo: uma espécie de Um Dia de Cão onde os seqüestradores fossem de fato mais violentos e ameaçadores com seus reféns e, inflingindo mais medo à polícia, se saíssem enfim vitoriosos. A seqüência inicial é filmada em muitos cortes, com a câmera sempre tentando achar o foco em cima de Travolta, numa precariedade fake muito ao gosto dos diretores mudernos de Hollywood (David Fincher encabeçando). E como os mudernos fake, um fetiche incrível pela figura do criminoso com um ideal, do excesso de racionalidade que produz foras-da-lei. Um fetiche que até se assemelha à posição do diretor de cinema: Kevin Spacey em Seven faz um cineminha para Brad Pitt, Hannibal Lecter faz seu cinema para sua doutora preferida em Hannibal, como John Travolta em A Senha faz seu thriller diante da polícia e de Hugh Jackman. É a figura do mestre de cerimônias, constantemente associada ao mal, ao gênio do crime, que aflora nesses filmes. E a personificação disso tudo é um personagem de Gladiador, ele um verdadeiro mestre de cerimônias, que brada aos sete ventos: "I'm an entertainer!"

Ao filmar na primeira seqüência todas as regras de seu jogo, o diretor de A Senha deixa clara a relação que quer manter com o espectador: como em Ridley Scott e David Fincher, o espectador será para o filme o que a cobaia é para o gênio do mal, onde o espectador ocupa a parte masoquista e passiva da relação enquanto os diretores se divertem sadicamente com a maestria vazia de sua técnica e com os choques que eles transmitem no espectador. E não é à toa que se fala em sadismo: tanto em Dominic Sena quanto em Fincher ou Scott abundam cenas para chocar o espectador: vísceras, destruição, órgãos humanos, putrefação, cérebros abertos – todo um inventário de terrorismo voyeurista à disposição do público cinéfilo. Em A Senha, há uma explosão, "belíssima": no momento em que uma bomba agarrada ao peito de uma vítima explode, o diretor tem a espetacular idéia de, à maneira dos efeitos de Matrix, parar o tempo e criar uma panorâmica de pessoas explodindo, sendo incendiadas e jogadas longe, carros sendo destruídos... enfim, estilização da morte e da destruição. Há quem goste.

O que surge disso é a tentativa de transformar o próprio diretor em enfant terrible, em gênio maligno, em senhor transgressor. E, incrivelmente, há gente que considere diretores da estirpe de Sena ou Fincher ou Scott como transgressores. Um olhar mais criterioso, no entanto, revela a balela que é o jogo que esses realizadores entretêm com seus espectadores: a fixação, talvez até inconsciente, na figura do gênio do mal só é índice de uma grande impotência em relação à lei, de um ressentimento que move todos os gestos dos personagens: não há de fato nenhum ato que se cumpra em liberdade. Não se age, só se reage. E talvez a obra ícone desse tipo de cinema seja mesmo O Clube da Luta, com sua devoção mais que patente pelo homem-másculo e pelo anti-conformismo de tendência nerd.

A história de A Senha é simples: uma milícia americana antiterrorista deseja usar de terrorismo contra os terroristas, e para isso precisam juntar um fundo de US$9 bilhões para custear suas operações. Realizam isso ameaçando um dos maiores hackers do mundo (interpretado por Hugh Jackman) – que só usa entretanto o hackerismo para defender a liberdade individual dos americanos. Ele deve penetrar num site do governo e movimentar a quantia para certas contas particulares ao redor do mundo. No intermédio, muita perseguição, muito tiro, muita flagelação, como sempre pede o cinemão de ação. Hugh Jackman, surpreendente em X-Men, aqui é uma simples caricatura de Clint Eastwood, franzindo a testa e olhando ao longe. Quanto a Travolta, está bastante inverossímil como líder terrorista. O roteiro é cheio de furos e reviravoltas pouco críveis, e a direção de Sena é inferior em artesanato a seus pares, mesmo em se tratando de cinema publicitário gore. A Senha só encontrará interesse naqueles que acham absolutamente genial um roqueiro estripar e engolir o sangue de animais no palco, e essa talvez seja sua metáfora mais exata.

Ruy Gardnier