Sweetie,
de Jane Campion


Sweetie, Austrália, 1989

Claro que um filme pode ser visto de muitas maneiras. Duas das mais comuns seriam analisá-lo como uma obra isolada, com sentido por si só, e, em oposição a isso, colocá-lo em meio à obra de uma cineasta, tentando localizar aí certos traços, temas ou maneiras de filmar. No caso de Sweetie, estréia de Jane Campion na direção de longas, exibido em Cannes em 1989 e bizarramente estreando no Brasil agora, quanto mais se inserir o filme no trabalho anterior e posterior de Campion, mais fácil entendê-lo.

Porque se decidirmos olhar exclusivamente o filme, pode parecer um exercício de estilo quase sem interesse. A preocupação com a composição dos quadros irrita pela sua, muitas vezes, gratuidade, onde a estética pura e simples parece sobrepujar o conteúdo. Claro que a construção cheia de diagonais e espaços vazios no quadro criam uma desestabilização que se relaciona com os personagens, mas a forma como isso é buscado quase obsessivamente acaba tornando um fator incomodativo esta construção pictórica. Da mesma forma, a interpretação anti-naturalista, quase declamada e over dos atores cria um distanciamento que certamente foi proposital, mas ao nem por isso podemos dizer que funcione a contendo. Finalmente, poderíamos falar do fiapo de trama que constrói um estranho painel da relação entre duas irmãs, e especialmente entre as mulheres e os homens, e que parece não evoluir ao longo do filme.

E isso tudo seria verdadeiro. Mas aí é que faria falta o olhar completo: se conhecemos os curtas de Campion que vieram antes reconhecemos de lá esta linguagem anti-naturalista, posada e estranha, mas se conhecemos o resto de sua carreira também sabemos que ela evoluiria sua linguagem, mantendo o que lhe interessa de um olhar estranho do mundo com um trabalho mais profundo de personagens e atores. Sabemos ainda que um processo parecido acontecerá com a fotografia dos seus filmes, sempre estudadas ao extremo, mas que depois se remetem à história e aos personagens, enquanto aqui, os personagens é que parecem se submeter a ela. E, mais importante, tematicamente reconhecemos os primeiros passos, absolutamente coerentes, de uma cineasta preocupada com o papel da mulher na sociedade, em especial nas suas relações com a família e com os homens, temas que percorrem absolutamente todos os seus filmes (Um Anjo em Minha Mesa, O Piano, Retrato de Mulher, Fogo Sagrado), e que aqui já estão em primeiro plano, ainda que rascunhados. É em busca desta genealogia de estilo que Sweetie ganha pontos, pois fica claro que seus erros são sinceros, apaixonados, e com muitas idéias a discutir. E isso é mais do que muitos filmes podem dizer.

Eduardo Valente