Paralelas e Transversais
Pequenos Espiões, de Robert Rodriguez
O Parque dos Dinossauros 3, de Joe Johnston
Spy Kids, EUA, 2001
Jurassic Park 3, EUA, 2001
Dois filmes americanos de alta temporada, dois
filmes para levar a família inteira ao cinema. Aparentemente, aí reside
a única semelhança dos dois filmes. Mas não. Entre Pequenos Espiões
e a terceira edição da série dinossáurica Jurassic Park há uma
semelhança de narrativa, uma semelhança fundamental, mesmo que inconsciente:
os dois filmes são retratos da família americana, e mesmo disfarçando-se
de aventuras, cheios de peripécias mirabolantes e efeitos especiais state-of-the-art,
não deixam de revelar um indisfarçado desejo de dar conta do estado atual
da instituição-célula da sociedade.
Em Spy Kids as coisas se revelam com mais
facilidade. De fato, o relato desde o início nos conduz para essa interpretação:
Antonio Banderas e Carla Gugino são ex-espiões de diferentes lados à época
da Guerra Fria; casados e aposentados, são uma espécie de consultores
de espionagem, o que dá a eles uma certa tranqüilidade para criarem seus
filhos como uma normal família de classe média. Só que a operação de um
poderoso vilão fará com que os dois superespiões sejam seqüestrados, e
que seus filhos sejam os únicos a poderem salvá-los. Em Jurassic Park
3, a coisa é mais velada. Aparentemente, trata-se apenas de um mcguffin
o desaparecimento de um menino e a excursão da família para procurá-lo.
Pois bem, de mcguffin não há nada, o percurso do filme e especialmente
o final vão nos dizer com todas as letras.
O Parque dos Dinossauros 3 começa com
um desastre: explorando turisticamente a ilha dos dinossauros, uma lancha,
um instrutor e um menino acabam desaparecendo. Corta. Estamos na casa
e Laura Dern, onde seu filho brinca com Sam Neill. Ao longo do filme,
esse filho desempenhará um papel importante na trama, da mesma forma que
a relação um tanto paterna de Sam Neill com seu melhor aluno e estagiário
– há sempre uma relação de paternidade no filme. E mesmo para os
dinossauros, há uma questão de família: os velociraptores que perseguem
Neill e cia. porque eles roubaram seus ovos, o pterodáctilo que leva alimentos
para os filhos, a mesma família de pterodáctilos que voa junta ao final
do filme...
Mas a família mesmo do filme é a humana e completa,
sem metáforas, representada por William Macy, Téa Leoni e seu mancebo.
Sintomático, porque é definitivamente a família all-american: a esposa
bela e de fartos dotes, a criança bonitinha, esperta, e acima de tudo
o pai, uma espécie de Homer Simpson heroicizado. Não custa lembrar que
William H. Macy é e sempre será o vilão idiotizado de Fargo (e
de fato ele não é caracterizado muito diferentemente no filme: sua primeira
aparição mostra um sujeito rico e meio babão que adora realizar gastos
absurdos por turismo radical): um homem comum, sem grandes padrões morais.
Em Jurassic Park 3, contudo, apenas uma coisa muda: ele ama profundamente
sua família, e isso parece ser suficiente ao filme, pois o desfecho da
trama se dá justamente quando Macy realiza uma peripécia e arrisca a sua
vida para salvar o filho. Mais tarde, juntos, eles vão filosofar, todos
os três abraçados, sobre coesão familiar. Em nenhum momento, entretanto,
o filme nos revela por que há amor familiar: uma família, mesmo que boçal,
deve amar-se a si mesma e pronto.
Pequenos Espiões, ao contrário, tem talvez
apenas um mérito, mas esse mérito é grande: ele observa e analisa como
surge o amor e o respeito aos pais nos olhos de uma criança. O filme começa
com crianças problemáticas, que passam vergonha na escola ou simplesmente
preferem matar aula. Elas vêem nos pais figuras lamentáveis, tristes,
caretas, pessoas despidas de qualquer interesse. E toda a graça do filme
consistirá em fazer essas crianças, absolutamente idiotizadas por um convívio
familiar banal, terem que assumir uma responsabilidade que implicará na
descoberta da real identidade de seus pais, e no decorrente nascimento
da admiração e na tomada de responsabilidade por parte dos moleques. O
filme terminará com a família unida, sim, mas o espectador compreende
a natureza do afeto. Há de fato um crescimento dos personagens, um problema
que é resolvido.
Mas nem tudo funciona a contento. A opção em
fazer um filme para crianças a fim de ter total controle do processo de
produção fez bem a Robert Rodriguez, que não vinha conseguindo obter muito
sucesso artístico com nenhum de seus filmes recentes. Se nesse ele chega
perto de seu melhor (A Balada do Pistoleiro), usando-se, como sempre,
de um maneirismo que funciona, isso não impede o filme de ter algumas
soluções de roteiro fáceis demais (até para um filme infantil) e sobretudo
a cenografia e a direção de arte, com umas cores aberrantes que nos remete
diretamente ao kitsch de um Austin Powers, mas que acaba parecendo
com um programa de TV de baixo orçamento. Claro, perto do orçamento de
Jurassic Park 3, Spy Kids é filme B. E, comparando todo
trabalho criativo (roteirístico, direção, cenografia, etc.), o filme de
Robert Rodriguez se sai inclusive melhor: de tudo que é feito, ele consegue
criar um gosto (nem sempre bom). O filme de Joe Johnston, ao contrário,
é absolutamente funcional: os dinossauros, as pontes que se quebram, todos
os efeitos jamais são dispostos no filme para seduzir o espectador, mas
somente para fazer a história progredir, como num fast food. E, como só
poderia ser, o terceiro parque jurássico não cria mundo. Nenhum. O que
não pode ser dito de Pequenos Espiões, que não tem nada de um grande
filme, mas já é alguma coisa.
Ruy Gardnier
|
|