Sonhos Tropicais,
de André Sturm

Brasil, 2001


Com um roteiro dinâmico, diálogos inteligentes que agregam documentação histórica com ironia, Sonhos Tropicais se destaca como um dos melhores filmes históricos do recente cinema brasileiro. Longe das megalomanias rezendianas (Mauá, Guerra de Canudos) ou da fácil fuga para a sátira histórica (Caramuru, Carlota Joaquina), Sonhos aposta num desafio maior ao tentar entrelaçar o macro histórico ao vivido microscopicamente sem cair nas estereotipias pós-modernas do épico-lírico.

A personagem de Oswaldo Cruz não é endeusada como numa biografia heróica. É homenageado sim, mas numa interpretação contida de uma personalidade impetuosa e atravessada por contradições. A ação de Oswaldo Cruz na implantação de uma política pública de saúde no Brasil, assim como sua luta pela vacinação obrigatória, é misturada aos dilemas políticos da época e aos modelos opressivos com que o bem-estar era levado à população.

Em paralelo, acompanhamos o drama de Esther, polonesa que chega ao Rio em busca de um marido e que se torna prostituta na velha Lapa carioca. Justo a Lapa alvo das reformas de Pereira Passos e foco de doenças e de resistência cultural. A jovem "polaca" se envolve com as personagens do lugar, vai descobrindo as belezas e mazelas da cidade e, em cartas fantasiosas, tenta contar aos pais (na Polônia) as maravilhas do Brasil...

Os caminhos dos dois personagens esboçam o olhar da população e o olhar oficial sobre as principais questões que agitavam o Rio de Janeiro de então: a varíola, a febre amarela, as greves, a revolta popular, a agitação política dos sindicatos...

Além disso, um trio de típicos burgueses, comentaristas irônicos (entre eles, José Lewgoy), – aos moldes dos jornais de intriga e crônicas como O Tagarela (onde escrevia Olavo Bilac) – delineia o filme com diálogos mordazes, numa espécie de narração em off personificada.

Retrato curioso de uma república em formação, que mistura o olhar didático com um dinamismo surpreendente, Sonhos Tropicais consegue sobrepor a seus defeitos uma eficaz e atual narrativa.

Dessa forma, apesar de se perder em passagens da narrativa, sofrer com a pouca criatividade imagética de seu diretor e limitar-se por querer dar conta de tudo numa curta duração, Sonhos Tropicais oferece mais do que promete. Não é um grande filme, mas vai muito além do didatismo encomendado ou da burocracia cinematográfica que faz do filme um instrumento para a "contação" de histórias.

Uma interessante estréia de Sturms no longa-metragem, que foge do engodo cinematográfico dos filmes didático-históricos, mas que parece se mostrar no limite de suas forças. Um filme não mais do que suficiente, que se destaca no universo de filmes-históricos brasileiros por conseguir fazer de sua narrativa um atrativo imagético em si.

Felipe Bragança