Snatch
Porcos e Diamantes,
de Guy Ritchie
Snatch, EUA, 2001
Diante de um filme como este,
há pelo menos três maneiras distintas segundo as quais o
espectador pode se posicionar:
A primeira é de verdadeira
admiração pelo nível de sofisticação
e complexidade que o cinema moderno conseguiu atingir no intuito de não
contar absolutamente nada. Não, sério: é impressionante.
Ao final do último plano de Snatch você se dá
conta de que absolutamente nada de meramente interessante aconteceu ao
longo daquelas duas horas, de que não se tira sequer uma impressão
do filme que se aplique na formação da platéia, que
o filme é nada mais que um grande contorno em volta do nada absoluto.
Mas, veja bem, não é um filme sobre o "nada",
porque como os fãs mais inveterados da série de TV "Seinfeld"
podem atestar, tematizar um suposto nada pode ser muito interessante.
E nem é o caso de se achar que todo filme deve ter uma grande temática
ou ótimas intenções. Longe disso. O que impressiona
mesmo é que nos áureos tempos mesmo o mais absoluto "entertainment
movie" de Hollywood girava em torno de personagens, ou de situações
que de alguma forma se relacionam com a experiência humana. Snatch
não tem um pingo disso. É um filme sobre fazer cinema
por fazer cinema, no ano 2001. E como pode ser complexo e referencial
construir este imenso pastel de vento!
A segunda forma de se ver o
filme é como uma obra "maior". Não, não
que se possa achá-lo uma obra prima. É só uma constatação
das tentativas do filme: todo ator tenta fazer o "maior" sotaque
possível. Todo plano ou seqüência tenta ser a mais mirabolante
visualmente possível. Toda inserção de música
tenta causar o maior impacto. Cada linha de roteiro tenta ser a mais engraçada
ou genial. Cada corte na montagem tenta ser o mais moderno e surpreendente.
Cada personagem tem que ter o nome mais bizarro. Em suma, não há
tons baixos em um segundo de filme sequer. É tudo mais, maior,
muito. E isso é a MAIOR chateação do filme. Se ainda
pudesse ser um filme simplesmente vazio, mas ele é vazio e trabalhado
para parecer cheio, a cada instante. É um filme que grita com o
espectador o tempo todo, como um convidado chato e incovenientemente bêbado.
Como os personagens, a história, a ação, nada disso
pode ser minimamente interessante, o diretor apela para todo e qualquer
malabarismo visual/temporal/espacial/musical possível. E cada ator
tenta ser mais do que o seu parceiro de cena. Ritchie foi comparado a
Tarantino com seu primeiro filme, e com este aqui ele tenta mostrar que
não é. Realmente, não há sinal da inteligência
referencial e crítica, ao mesmo tempo apaixonada, de Tarantino.
Há sim um artesão da técnica se divertindo ao mostrar
seu domínio sobre a forma e a completa obsolescência do conteúdo.
Mas, claro, existe a terceira
forma de enxergar o filme, talvez como o que ele realmente seja. Mais
do que um filme, uma grande história em quadrinhos. Se tentamos
um olhar simpático, este deve ser o "approach". Sim porque,
com todos os problemas, é um filme que não se leva a sério,
pelo menos. Que assume a cada plano, a cada corte, a cada brincadeira,
que se realiza ali uma grande brincadeira, um chiste, digamos assim. No
entanto, embora isso certamente torne o filme mais palatável, também
o torna ainda mais desimportante. Porque, não se enganem, não
é um filme que precise causar preocupação ou revolta
da parte dos que ainda acreditam num humanismo verdadeiro no cinema. É
verdade que o uso de armas é indiscriminado e "cool"
sempre, e é verdade que não há qualquer sinal de
seres humanos em cena. Mas, com este recorte efetivamente quadrinístico,
não se pode também ficar levantando bandeiras contra o filme,
porque ele parece tão prejudicial quanto um episódio de
Tom e Jerry. O filme, afinal, é uma animação com
atores. Mas, isso se torna um problema: nem ruim o filme é. Também
não é bom, nem um pouco. É simplesmente isso: duas
horas de uma criança com um brinquedo muito caro na mão,
que nos força a assistir suas brincadeiras do início ao
fim, arbitrários que estes sejam. E criança, a não
ser que seja o próprio filho, é uma coisa que se torna bem
chata rapidamente.
Eduardo Valente
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