Trapaceiros,
de Woody Allen
Small
time crooks, EUA, 2000
Woody Allen chegou a um ponto de sua carreira em que não precisa
provar nada a ninguém e nem a si mesmo. Já houve momentos
em que ele quis se assumir como um cineasta sério, fazendo experiências
a la Bergman (Setembro, por exemplo), que alguns consideram um
calcanhar de Aquiles em sua obra. Na sua atual fase, uma aparente tranquilidade
interior parece levá-lo a retornar à comédia pura
e simples de seus primeiros trabalhos, como neste Small time crooks,
de 2000 e no posterior The curse of the jade scorpion, de 2001.
Em Trapaceiros
o diretor utiliza, inclusive, um personagem bastante parecido com o protagonista
de seu primeiro trabalho como diretor em 1969, Um assaltante bem trapalhão.
(Não levando em conta a dublagem e remontagem que fez em What’s
upTiger Lilly.) Trata-se de um ladrão completamente inepto
que, mesmo fracassando em todos seus planos, não desiste em planejar
de maneira otimista golpes e roubos de difícil execução.
Repete, inclusive, uma estrutura fragmentada na narrativa. Se o primeiro
filme era uma sucessão de esquetes, Trapaceiros é
composto de três partes distintas.
A primeira
parte parece uma refilmagem de Os eternos desconhecidos, de Mario
Monicelli, onde Allen e seus amigos incompetentes alugam uma loja como
fachada para cavar um túnel e roubar um banco. As sequências
do porão são realmente engraçadas, mas a trama se
resolve muito rapidamente e poderia ter rendido mais piadas. É
digno de nota o subaproveitamento do grande comediante Jon Lovitz, que
nunca conseguiu repetir no cinema o brilho de sua participação
no Saturday night live dos anos 80.
A segunda
parte é uma crítica ao esnobismo dos novos ricos, pois apesar
do roubo do banco haver mixado, a loja, onde a esposa de Allen, vivida
por Tracey Ullman, vende cookies, prospera, deixando os personagens montados
na grana. Ullman encarna uma Vera Loyola para ninguém botar defeito,
querendo ostentar com um apartamento que é o supra-sumo da cafonice
(palmas para a direção de arte) e tentando adquirir cultura
a qualquer preço, nem que seja decorando o dicionário palavra
por palavra (uma piada que já havia sido utilizada com o Joey de
Friends), contratando um galante professor vivido por Hugh Grant,
que nada mais é que outro trapaceiro. Gostaria de saber se uma
certa fatia de espectadores conseguirá rir de si mesma, principalmente
quando Tracey atende o celular no meio de um concerto.
Na parte
final, que apesar de menos coesa é a mais engraçada, vemos
Woody tentar roubar um colar durante uma festa, numa versão desastrada
de O ladrão de casaca. Brilha também a estrela da
comediante e diretora Elaine May (Ishtar), que rouba o filme num
personagem a princípio bastante cliché, uma prima completamente
imbecil. O filme encontra um desfecho algo abrupto, mas coerente, inspirado
em comédias românticas dos anos 30/40.
Se não
podemos enquadrar Trapaceiros entre os melhores momentos da carreira
de Allen, mesmo entre suas comédias puras, podemos considerar que
trata-se inegavelmente de um bom filme, com um humor agradável
que supera seus defeitos, como uma já apontada falta de coesão
narrativa e o desaparecimento repentino de alguns personagens. Também
chama atenção o trabalho do diretor de fotografia chinês
Zhao Fei, que a partir do filme anterior, Poucas e boas, passou
a injetar na tela cores vivas quase sempre ausentes dos filmes do diretor.
Mas há
que se destacar que há muito tempo o Woody Allen ator não
estava tão bem, dando vazão ao seu lado de comediante, com
um tipo simplório, diferente de seu intelectual em crise habitual.
Existe uma tendência natural de cobrarmos que todo grande cineasta
faça sempre grandes filmes. Entretanto, assim como são apreciados
por nosso paladar pratos requintados de restaurantes caros, é igualmente
delicioso um simples cookie, como este que Woody agora nos oferece.
Gilberto
Silva Jr.
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