Sinbad:
a Lenda dos Sete Mares,
de Tim Johnson
Sinbad:
legend of the seven seas, EUA, 2003
Sinbad
é um exemplo-síntese
de uma era da indústria do filme de animação americano,
uma era de crescimento vertiginoso e de combatividade entre estúdios,
iniciada pela retomada da Disney no começo dos anos 90 com A
pequena sereia. Os filmes de animação se tornaram blockbusters
indiscutíveis - o público infantil vai ao cinema, leva os
pais e compra toda sorte de quinquilharias de personagens animados - e
várias vezes venceram filmes de ação/aventura de
adultos nas disputas pelos dólares do verão americano. Pois
bem, o processo de crescimento acelerado da indústria foi acompanhado
por um processo de busca de identidade do desenho animado. Sinbad
não representa outra coisa senão uma evidente crise de identidade.
Claramente movido
pela intenção de seguir uma cartilha que possa ter dado
certo em algum momento, o filme dos estúdios Dreamworks (o mesmo
de Shrek, é verdade, mas, ao mesmo tempo o mesmo do trágico
Spirit) optou por não dar atenção a seu roteiro
- justamente o que tem sido a chave para o sucesso de vários filmes
- e seguir modelos estabelecidos. Sinbad é um bonequinho
de plástico.
Começa pela
opção por ceder ao clichê da heroína feministamente
correta. Depois de A pequena sereia, mas sobretudo depois do igualmente
Disney A Bela e a Fera, as personagens centrais femininas têm
que ser sempre a mesma: a mulher que é tão ou mais capaz
que os homens, que é independente deles, mas que, ao mesmo tempo,
descobre neles o amor.
Outro clichê
ao qual o desenho se rende é o do herói assim não
tão sério. O Sinbad de Sinbad é um jagunço.
Pouco inteligente, exercita suas habilidades de navegador e pirata com
destreza, mas é sempre vencido pelo brilhantismo da heroína
e por sua própria honestidade mediana. A combinação
desses dois clichês principais conduziu a uma opção
por um roteiro pouco importante. A história é secundária
na história do filme. O que importa é apenas o conflito
central entre o casal e a constituição deles dois como um
casal de fato. E a esses padrões somam-se outros, como a recente
obsessão da animação americana pelos esportes radicais:
toda ação em uma história tradicional ou mágica
é lida como um correlato de uma prática atlética
atual.
Assim, Tarzan, no
filme recente da Disney, saltava de galho em galho com movimentos decalcados
dos de um skatista que faz suas manobras nas rampas. O mesmo com os personagens
de O planeta do tesouro, que fazem surf aéreo e ski aquático
em suas ações bucaneiras. Sinbad anda de tobogã,
faz iatismo e outros tantos esportes. Tudo porque as crianças e
seus pais, interessados em esportes, precisam se identificar com os personagens,
como se o desenho animado fosse um grande comercial de cigarros.
Sem dúvida
a maior vítima da falta de ousadia da Dreamworks na feitura de
Sinbad é o próprio personagem. O aventureiro árabe,
que já foi um herói de aventuras caro ao cinema nos anos
60 e 70 foi convertido em alguém a ser esquecido, em parte de uma
história a ser revista e constatada como elo em uma corrente de
produção em série de mitos vazios e temporários.
Sinbad será esquecido e isso é muito bom, porque,
como filme, é vergonhoso, mas é também muito ruim,
porque os grandes personagens merecem grandes traduções.
Alexandre Werneck
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