Paralelas e Transversais
S1mone, de Andrew Niccol
O Último Suspeito, de Michael Caton-Jones


S1mone: Simulation One, EUA, 2002
City by the sea, EUA, 2002


Em recente enquete realizada por uma revista inglesa, Al Pacino e Robert De Niro foram eleitos, respectivamente, em primeiro e segundo lugar, como os maiores atores de cinema de todos os tempos. Sem que se considere a justiça do pleito, este nos deixa a certeza sobre a inquestionável popularidade dos dois atores, tornados célebres nos anos 70 com participações em filmes memoráveis, como os da série O Poderoso Chefão e outros dirigidos por Martin Scorsese (De Niro) ou Sidney Lumet (Pacino). Se ao longo da década de 80 a dupla conseguiu, na maior parte das vezes, manter um certo padrão de qualidade em suas atuações e na seleção dos papéis, nos anos mais recentes, curiosamente a partir de Fogo Contra Fogo, de Michael Mann (1995), os dois (De Niro certamente mais do que Pacino) parecem ter se tornado figuras fáceis, fazendo um filme atrás do outro. Só para se ter uma idéia, de 2001 para cá, De Niro protagonizou A Última Cartada, 15 Minutos, Showtime, A Máfia Volta ao Divã e O Último Suspeito. Já Pacino esteve em Insônia, O Articulador, O Novato e S1mOne.

A propósito dos lançamentos quase simultâneo dos últimos títulos de cada lista acima, somos convidados a refletir sobre alguns pontos. Primeiro: teriam De Niro e Pacino reduzido suas figuras, outrora prestigiadas, a meros produtos caça-níqueis, emprestando suas imagens a qualquer um que lhes pague o cachê? Segundo: conseguiriam os dois manter um padrão de qualidade-criatividade em suas atuações, visto que não é muito raro que bons atores, num ponto onde suas carreiras encontrem-se estabilizadas, passem a perpetuar uma espécie de eterna repetição de si mesmos? Sobre esta repetição, por sinal, vale a pena comentar que não somente astros de Hollywood, mas também grandes atores brasileiros, não estão livres de embarcar nessa onda, vide, por exemplo, o trabalho de Milton Gonçalves em Carandiru.

Na procura pela resposta a essas questões, falaremos um pouco sobre seus filmes recém-lançados, começando por Pacino, que parece ter saído como vencedor nessa história. Tirando O Novato, os demais filmes do ator não são meros produtos em série dos grandes estúdios. Insônia, apesar de seu apelo comercial, é um ótimo thriller conduzido por um diretor que havia adquirido bastante prestígio em seu trabalho anterior (Christopher Nolan, de Amnésia). Já O Articulador e S1mOne são produções pequenas e independentes que inclusive tiveram dificuldades para seu lançamento nos EUA.

Mais especificamente, S1mOne pretende ser uma amarga crítica ao sistema de Hollywood e sua política imediatista de fabricação de sucessos e estrelas. Pacino interpreta Viktor Taranski, cineasta de pretensões artísticas cuja carreira alinha uma série de fracassos. Tendo em vista o arquivamento de seu último filme, após uma briga com uma estrela de temperamento instável (curiosamente vivida por Winona Rider), Viktor recebe como herança de um gênio da informática um programa que lhe permite criar uma estrela virtual, inserindo suas imagens no filme condenado. Este torna-se um sucesso, principalmente pela elogiada presença de sua bela e misteriosa atriz. Viktor, com isso, atinge inesperado poder e popularidade, explorando sua conquista até os mais improváveis limites.

S1mOne é um trabalho coerente dentro da obra de seu diretor cujo filme de estréia, Gattaca, já havia explorado uma progressiva mecanização da figura humana. Guarda também semelhanças com O Show de Truman, escrito por Niccol e dirigido por Peter Weir, cujo personagem Krystoff (Ed Harris) não difere muito de Viktor, sendo ambos figuras com um poder que beira o divino, mas que aos poucos, assim como o mítico Dr. Frankenstein, vão perdendo o controle sobre suas criaturas. E Pacino retrata muito bem a angústia de Viktor. Certo que, assim como em Insônia e O Articulador, mantém alguns cacoetes de sua persona cinematográfica, mas mesmo assim, procura embarcar no personagem, emprestando a ele autenticidade e individualidade.

O filme de Niccol desfila uma série de farpas e ironias ao sistema de produtos descartáveis do cinema americano, o que resulta em boas piadas e em momentos realmente interessantes, como a conquista de um Oscar pela atriz inexistente. Só que, a partir de certo ponto, as situações parecem começar a se repetir e as quase duas horas de projeção parecem muito longas. Niccol, apesar dos esforços, ainda demonstra ser um realizador um pouco limitado e, do ponto de vista visual, o filme demonstra alguma redundância. Mas, guardando-se as devidas restrições, S1mOne ainda permanece um filme bastante curioso e recomendável, mesmo que como crítica ao mundo do cinema se situe a quilômetros de distância de um Crepúsculo dos Deuses ou mesmo de O Substituto.

Se Pacino, como já foi dito, parece ainda resguardar, mesmo que sem o brilho de outrora, boa parte de seu talento, Robert DeNiro, infelizmente, parece um caso perdido. Não seria exagero afirmar que se um ET chegasse à Terra, tendo acesso apenas à produção cinematográfica dos últimos cinco anos, se ouvisse dizer que De Niro é um grande ator é bem provável que ele achasse que esta fosse uma grande piada. A carreira do ator favorito de Martin Scorsese vem sendo uma infinita sucessão de produtos comerciais com roteiros que mais parecem receita de bolo (solado, diga-se de passagem), exceção feita a 15 Minutos (uma idéia interessante que não deu muito certo) e as boas comédias Máfia no Divã (o original) e Entrando Numa Fria. Mas, mesmo nestes, DeNiro atua como uma desagradável caricatura de seu passado. Transformou-se, infelizmente, num canastrão careteiro que há muito se esqueceu de compor meticulosamente um personagem, como fizera, por exemplo, em Taxi Driver ou Touro Indomável. Uma versão masculina de S1mOne talvez fizesse melhor.

Dirigido pelo inglês Michael Caton-Jones, que já havia trabalhado com DeNiro em O Despertar de um Homem, de 1993, no qual o ator já começava a demonstrar sinais de cansaço, O Último Suspeito envolve uma trama policial na qual um detetive da polícia novaiorquina, Vincent LaMarca, investiga o assassinato de um traficante, cometido involuntariamente por seu filho (James Franco), um viciado com o qual não convivera desde a infância, após a separação da esposa. As primeiras imagens parecem promissoras, com a apresentação das locações da hoje decadente e abandonada Long Beach, uma praia ao norte de Nova York, outrora glamurosa e bastante frequentada. Mas, após o impacto inicial, o filme cai numa intriga de investigação corriqueira, que envolve a força dos laços de sangue e violência, transmitidos e herdados de pai para filho.

O Último Suspeito não traz surpresas ou emoções maiores que qualquer episódio de seriado de TV. Caton-Jones continua o diretor preguiçoso de sempre e o roteiro é repleto de situações pouco exploradas (como o relacionamento entre o filho e a namorada) e outras simplesmente mal resolvidas. E prova também que uma atuação tipo piloto-automático não é uma exclusividade de um ator veterano como Robert DeNiro. O novato James Franco foi revelado (e premiado) ao interpretar James Dean em um telefilme e, aparentemente, não saiu do personagem desde então. Até a sempre talentosa Frances McDormand parece contaminada pelo clima geral de mediocridade.

Gilberto Silva Jr.