Escrito nas Estrelas,
de Peter Chelsom

Serendipity, EUA, 2001


Em primeiro lugar: um filme que conta com um casal de protagonistas como o formado por John Cusack e Kate Beckinsale, não deve ser ignorado. Cusack revelou-se um bom ator, além de simpático e carismático. Kate é uma das atrizes mais belas do momento. Sua personagem às vezes resvala na caricatura, mas ela nunca deixa de imprimir dignidade à inglesa mística que acredita que se for para ela ter um romance com Cusack, o destino se encarregará de reaproximá-los. Tá certo que não precisava dificultar tanto, mas esse tipo de artifício é necessário para que exista um mínimo de suspense no romance que está sempre prestes a acontecer entre os dois.

Eles se conhecem na Bloomingdale's, querem o mesmo par de luvas, acabam ficando cada um com uma mão. Tomam um sorvete e, já na rua, ela lhe dá seu número de telefone. Um vento traiçoeiro se encarrega de fazer o papel desaparecer na montanha de papel picado do natal novaiorquino. Kate acha isso um mau sinal e fará de tudo para testar o destino, o que confere certa graça à primeira meia hora do filme. Kate anota seu nome e telefone na contracapa de um livro (O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel Garcia Márques) e diz que vai vendê-lo no dia seguinte. Ela também pede para que ele anote seu nome e telefone numa nota de cinco dólares que vai logo ser trocada num camelô. Devido às insistências dele, ela chega até a pedí-lo que entre no Waldorf Astoria, o luxuoso hotel de Nova Iorque, pegue o elevador e escolha um andar. Ela faz a mesma coisa. Se os dois escolherem o mesmo andar, é porque o destino quer que fiquem juntos. Como não dá certo, eles acabam desistindo e cada qual vai desiludido para seu lado.

Os anos passam. Cusack passou boa parte desses anos procurando o livro nos sebos da cidade. Trabalhou? Sabe-se lá. Pelo que mostra o filme, é apenas um bon-vivant. Kate sempre que pega uma nota de cinco dólares tem um friozinho na barriga. Tudo muito óbvio. Mas por vezes funciona. Chelsom impõe um academicismo estéril mas deixa terreno para os atores brilharem. E, com a exceção da melhor amiga de Kate, proprietária de uma loja de produtos exotéricos, o elenco de apoio está muito bem, com destaque para o vendedor metódico, responsável pelas cenas mais engraçadas.

Os clichês não são evitados. Pelo contrário, recorre-se a eles numa sem-cerimônia impressionante. Os acontecimentos são sempre providenciais ou por um triz não ocasionam o reencontro. Kate namora um músico místico de boutique (o mesmo ator de Casamento Grego). Cusack está prestes a se casar com uma bem-nascida (como ele). Só que não esquece a inglesinha de outros tempos. O destino, como era de se esperar, resolve se manifestar na véspera do casamento, ajudado pela providencial frustração de Kate com o excesso de compromissos profissionais de seu namorado. Tudo se encaixa.

Algumas sequências são risíveis de tão forçadas. Cusack está no quarto de sua noiva e vê um pacote da Bloomingdale's. Resolve ver o que tem dentro e...voilá: a luva à procura de seu par. Pior, dentro da luva tinha um comprovante de cartão de crédito com o número da conta de Kate na época do encontro. De tão absurdo, torna-se até simpático. Afinal, é preciso ter peito para dirigir uma cena dessas. Muitas correrias, muitos desesperos em meio aos infindáveis congestionamentos de Manhattan, diversas decepções irão acontecer. O final, no entanto, pode ser adivinhado por uma criança de quatro anos. E não deixa de ser decepcionante. Passamos o filme inteiro vendo manobras mirabolantes do destino. No entanto, este reserva apenas um reencontro previsível, com a luva servindo de elo novamente.

Há graça no filme? Em termos. Provavelmente, por causa dos atores, torna-se fácil de ver. Fica a impressão de que não era tão difícil assim transformá-lo num entretenimento de primeira. Também o excesso de misticismo parece suspeito, como se existisse uma intenção crítica por trás do exagero. Faltou, porém, habilidade ao diretor e um roteiro menos inconseqüente. Se houvesse uma dosagem nas idiossincrasias dos personagens, poderíamos curti-los sem a sensação de estarmos perdendo nosso tempo.

Sérgio Alpendre