O
Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel,
de Peter Jackson
Lord
of the Rings: The Fellowship of the Ring, EUA, 2001
É sempre complicado realizar a adaptação cinematográfica
de um livro de culto, com séquitos em inúmeros países,
universo próprio, saga épica, etc. Ainda mais nos tempos
de hoje, quando nesses casos o filme é apenas mais um meio de todo
o complexo mercadológico que a experiência cinematográfica
desencadeia: mais livros a serem comprados, memorabilia, livros escritos
por terceiros explicando e acrescentando à história, e assim
por diante. Hoje, a regra geral é: fidelidade ao original. Foi
J.K. Rowling inspecionando toda a feitura de Harry Potter, foi o diretor
Peter Jackson comunicando-se com os fã-clubes de Tolkien para não
desagradar a ninguém. Resultado: tanto um quanto outro maravilham
todos aqueles que já estavam dispostos a serem maravilhados, criam
um fenômeno midiático que levará muitos outros a entrarem
nos mistérios de Hogwarts e seja-lá-como-se-chama-a-terra-de-Tolkien,
mas são incapazes de oferecer qualquer atrativo estético
para aqueles que gostam de cinema. Chris Columbus sai-se melhor: realiza
um ágil filme para crianças. Peter Jackson, tentando com
inúmeros efeitos e parafernália elétrica/eletrônica
evocar a magia que sentem os fãs da série Senhor dos Anéis,
afunda fragorosamente.
Nesse A Sociedade
do Anel, sobressai antes de tudo a absoluta falta de respiração,
a necessidade que tem o filme de passar rápido demais. A esse título,
o prólogo é de uma exemplaridade total: em poucos segundos,
nos é narrado com rapidez máxima um resumo de toda a criação
dos tais anéis, de como um anel foi criado por um ser maligno para
ultrapassar em poder todos os outros anéis, e de como esse anel
atravessou o mundo, passando pela posse de vários seres que, inelutavelmente,
caíam na vida maligna sob a influência nefasta do tal anel.
A seqüência toda é informativa, mas nada expressiva:
sabemos o que acontece porque nos é narrado, mas não conseguimos
entrar nesse mundo.
Um filme fantástico,
com seres de raças diferentes e inúmeras possibildades de
exploração de ambientes – cidades, desfiladeiros, castelos
– tem um pouco de uma instalação em arte contemporânea,
a idéia da criação de um mundo onde a sensorialidade
é outra, e cativa por suas novas possibilidades. Em Duna,
filme de David Lynch baseado (e infiel) num outro livro-série de
culto (assinado Frank Herbert), a experiência é produtiva.
Mas e em A Sociedade do Anel? Nem as paisagens ligeiramente modificadas
da Austrália, nem os inúmeros travellings que Peter Jackson
tanto adora, nem os efeitos sonoros e a música (o horror, o horror:
onipresentes!) são capazes de por um instante nos instalarem nesse
universo – supostamente – mágico.
Resta essa experiência
esdrúxula de (não) adentrar um universo flagrantemente assexuado
(as mulheres significam simplesmente pureza, com uma forte luz branca
recaindo sobre elas em todas as poucas ocasiões em que uma aparece),
onde os heróis são branquinhos, limpinhos e belos enquanto
os maus são feiosos (ou seja, o anti-Tabu), e cada dito
é envolvido por uma aura de reverência e aprendizagem. Corre
a boca pequena que George Lucas se influenciou fartamente pelo universo
de Tolkien para criar sua própria saga, a de Guerra nas Estrelas.
Ao que escreve essas linhas, jamais tendo tido contato com Frodo, Sauron
ou Aragorn, A Sociedade do Anel mais parece um Guerra nas Estrelas
onde há duas Léias e vários Han Solo. Tudo isso,
claro, com o tom excessivo e de gosto duvidoso de Peter Jackson, que com
esse filme conseguiu – e era difícil – tirar de Moulin Rouge
o título de filme mais cafona do ano. E se para Baz Luhrmann
isso é um elogio, para Jackson não é.
Ruy Gardnier
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