Segunda-Feira ao Sol,
de Fernando León de Aranoa


Los Lunes al Sol, Espanha, 2002

Filmes com preocupações sociais costumam enganar muita gente. É muito comum a condescendência da maior parte da crítica quando um filme toca em problemas atuais como a falta de emprego e as consequências da imigração desordenada ou clandestina. Não foi diferente com Segunda-feira ao Sol, filme aclamado pela crítica brasileira (e boa parte da crítica internacional) como uma pérola humanista. Aranoa já havia agradado com seu primeiro filme, Família, de 1996. Mas seus dois filmes seguintes permanecem inéditos por aqui. Segunda-feira ao Sol é seu quarto filme, incluindo um documentário de 60 minutos sobre uma caminhada de zapatistas - o que deve ser levado em conta dado o teor comunista deste novo trabalho.

Esqueçamos as boas intenções do filme de Aranoa e analisemos se ele realmente consegue se realizar dentro do que se propõe. Em primeiro lugar, filmes preocupados com o tema do desemprego não são raros, mas ainda são pertinentes por motivos mais do que óbvios. Nada de errado então quanto à escolha do tema. Mas o que há de novo no tratamento dado ao filme? A rigor, nada. Vemos situações sendo retrabalhadas em nome de um humanismo simplório e ineficaz. Não vai faltar o homem que se entregou a bebida após ter sido abandonado pela mulher, nem a filha adolescente e safada, tampouco os infalíveis momentos onde a amizade entre os desempregados é abalada.

Há algo de sincero no modo com que filma os amigos demitidos de um grande estaleiro e que agora se reunem no bar de um deles. Javier Bardem (que interpreta Santa) está bem, o que não é uma constante em seus últimos filmes, e os demais atores dão conta do recado.

O problema é a sensação de déjà-vu na composição dos personagens, em especial do enervado Santa. Já vimos seus trejeitos de machão latino em outros filmes. Aqui, há o ônus de ser um homem com consciência revolucionária, o que ora revitaliza o filme, ora o torna ingênuo. Há uma discussão sobre trabalhadores unidos que sinceramente constrange pelo teor panfletário, como num mau momento de Ettore Scola.

Mas pelo menos por uma sequência essa obsessão revolucionária é justificada. Santa teve que pagar por uma luminária importada que havia quebrado durante os conflitos na estalagem. Houve de seu advogado um blá-blá-blá insuportável sobre consciência limpa e sentir-se melhor após ter feito o que devia. Ao que ele, imediatamente, desce do carro e quebra a nova luminária declarando em seguida: "Agora me sinto bem melhor".

Em outra seqüência, Aranoa nos oferece, ao mesmo tempo, o vínculo com a tradição melodramática e uma chantagem repulsiva. É quando a mulher de José arruma as malas para abandoná-lo. O marido chega do velório de um amigo, deita-se no colo dela e relata o porquê do suicídio, de como ele andava deprimido e entregue à bebida desde que a mulher o abandonara. Ela começa a chorar e abraça o marido enquanto esconde a mala com um cobertor. Vale lembrar o dito popular: "me engana que eu gosto". A cena é bem filmada, disfarçando o que ela tem de asqueroso. Uma relação de cumplicidade entre platéia e mulher, em detrimento ao marido, patético, digno de pena, incosciente da própria humilhação.

Por momentos como esse, Aranoa deixa de ser um bom artesão (caso de Família) para ser um artífice do mais barato modo de se garantir a empatia do espectador, fazê-lo apiedar-se de seus personagens. De cinismo social o cinema já está cheio.

Sérgio Alpendre