Segredos
de Família,
de Fernando León de Aranoa
Familia,
Espanha, 1996
Em meio a imensa variedade de filmes ruins,
ou de outros que já vêm acompanhados de uma expectativa criada
pela prévia exposição em forma de chamadas ou cartazes,
o aparecimento de um filme como Segredos em família é
uma surpresa. Conseqüência direta da despretensão que
o envolve e que não permitiu a sua inclusão em uma categoria
para fruição específica por um público correspondente.
O filme foi parar nas telas, poucas, diga-se
de passagem, e a única forma de se começar a analisá-lo
foi olhando os lugares onde entrou em cartaz. Ocupando salas que não
deixam dúvidas do compromisso com um cinema diferenciado, por bem
ou por mal, a película passa a chamar a atenção.
Olhando de primeira, essa impressão
de se tratar de um filme diferente ganha força e se justifica.
Ele não é cinema como se vê por ai a toda hora. O
argumento já deixa isso bem claro. Trata o absurdo com referências
diretas ao mundo cotidiano mostrando sua ligação com uma
tradição surrealista. Mas aqui, as intenções
podem ser mais aprofundadas e não ficam apenas em um plano conceitual
de tornar relativo o real. Toda uma teoria de estruturação
social, definidora de papeis rígidos no convívio humano,
vem à tona para ser questionada.
Como é impossível reviver os
movimentos de vanguarda artística do início do século,
a explicação para tal referência ao surrealismo é
encontrada nessa sua aplicação objetiva que leva a uma resposta
quase que imediata do público. Espantar-se com as situações
fica sendo corriqueiro quando a estética do absurdo já nos
é bastante conhecida. Se fosse o caso de estabelecer novos padrões
significantes para o cinema, eles não viriam apenas explícitos
na trama. O elemento transgressor, que caracteriza a película como
sendo "diferente", está concentrado todo lá.
O surrealismo, nesse ponto usado com alarde,
não extrapola. Não se debruça sobre nada além
das situações. É estranho a sua total ausência
na estruturação do roteiro, por exemplo. Nele, podemos identificar
vícios dos mais banais, mostrando sua conformação
muito pouco ousada. Para os espectadores mais atentos ele chega a permitir
a previsão de acontecimentos e até mesmo do próprio
final. O elemento surpresa e surreal acabam e a satisfação
se limita ver uma situação esquisita, mas já esperada,
atrás da outra.
Mas como já foi dito, o filme não
deixa de ser surpreendente. Esses fatores incômodos que aqui foram
expostos não têm a intenção de condená-lo.
Antes, servem apenas para levantar o interesse em uma obra que seria chata
caso fosse encarada como perfeita. Dos filmes em cartaz, os que não
são relançamento, ele é um dos poucos que merecem
ser bem vistos.
João Mors Cabral
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