As
Confissões de Schmidt,
de Alexander Payne
About
Schmidt, EUA, 2002
Os primeiros takes deixam no ar a dúvida: será que Alexander
Payne terá a coragem de fazer um filme estruturado nos tempos mais
longos, nos detalhes, na atenção ao personagem, perpassado
por uma certa inegável melancolia, mas misturada com uma grande
humanidade? Afinal, a reflexão que um homem mais velho faz sobre
sua vida, a partir da aposentadoria e da morte da mulher (numa vida centrada
no trabalho e na família), é matéria-prima para tal
aproximação. Porém, logo entra a trilha sonora que,
usada a exaustão ao longo do filme, dará a pista principal:
não, não terá essa coragem.
É fato que
Payne revela um olho atento e um ouvido cuidadoso com a construção
de pequenos detalhes, diálogos, sons, imagens ao fundo, movimentos
inesperados de atores que permitem deixar entrever muito de personagens
e situações. No entanto, essa sua propensão ao detalhe
está a serviço de uma idéia geral que é simplesmente
deplorável. Payne filma como quem detesta seus personagens, e não
há nada mais desinteressante do que isso. Num primeiro momento
até esse desprezo parece fazer sentido, porque o filme se atrela
ao olhar do personagem principal, que passa por um momento ressentido
com sua própria existência. No entanto, logo percebemos que
o olhar do diretor não se irmana com o de Schmidt, e sim se coloca
acima do dele, tornando-o apenas uma desculpa para se rir das desgraças
da raça humana, enquanto ele mesmo é tornado ridículo.
Não há um pingo de compaixão ou humanidade na visão
de Payne, e a nenhum personagem é permitido ser compreendido em
nenhum momento. Sempre que nos aproximamos disso, trata-se de uma preparação
para o golpe seguinte (como é o caso, especialmente detestável,
em relação à esposa). O filme revela um desencanto
com a vida semelhante ao de um O Príncipe, só que
neste pode-se entender a realização de um cineasta mais
velho ao falar do fracasso político de sua própria geração.
Do que afinal fala Payne?
Esta mistura de desinteresse
pelo humano e de superioridade se apóia em dois frágeis
suportes. Primeiro, o de uma comicidade absolutamente banal, onde cada
piada pode ser antecipada em pelo menos dois minutos pelo espectador,
uma vez que ele entenda as regras do jogo de Payne (o que se pode fazer
lá pela meia hora de filme). Mesmo a única grande sacada
do filme (as cartas escritas para uma criança na África)
perde o frescor em poucos minutos pela repetição da mesma
chave em que é usada em toda a duração. O segundo
suporte é uma vontade de parecer "artístico", onde o filme
procura esconder sua banalidade, e principalmente, sua completa integração
ao grande modelo hollywoodiano. Planos como o que mostra Nicholson com
uma luminária acesa, e metade da tela em completa escuridão,
parecem gritar: "Uau, olhem que belo enquadramento, que luz expressionista!"
Nesse completo equívoco, é especialmente fraco o desempenho
de Nicholson, que parece estar interpretando demais, em cada plano. Parece
haver um orgulho de colocá-lo nesse papel de velho desencantado,
quase um fetiche, dele como intérprete, e da direção.
Não há no elenco quem sobreviva ao estilo de Payne, porque
toda interpretação se dá em dois momentos: fingir
que é um personagem, e revelar-se um estereótipo risível.
As Confissões
de Schmidt é, em resumo, um filme de Todd Solondz empacotado
para ganhar o Oscar, ou por outra, um Beleza Americana da meia
idade. Se estamos buscando visões sobre velhice, devemos ficar
mesmo com História Real; se queremos ver personagens lidando
com a dor da perda em toda a sua fragilidade, o aconselhável é
o extremamente subestimado Vida que Segue; e se buscamos um olhar
que consiga perceber toda a humanidade e beleza que existe em ser falho
e imperfeito, vamos ao cinema de Wes Anderson. Este cinema de Payne, superior
e desencantado, para consumo rápido, diversão e alívio
das classes médias, representado no seu ápice pelo deplorável
plano final deste Schmidt, é o que de pior os anos 90/2000
nos deixam da parte do cinema americano.
Eduardo Valente
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