Estrada
Para Perdição,
de Sam Mendes
Road
To Perdition, EUA, 2002
Concedamos: Sam Mendes é um realizador elegante e que realiza com
afinco seu trabalho. Quem quer que tenha assistido a Beleza Americana
e a este Estrada Para Perdição não vai deixar
de se impressionar com o apuro das imagens e da composição,
bastante além da média das produções dos grandes
estúdios de Hollywood. Igualmente pela expressão: as escolhas
estéticas de Sam Mendes nunca são as mais comuns. Ele não
tem medo do escuro (muitas das imagens passadas nesse filme são
tomadas num escuro surpreendente, muito bem filmadas) ou de uma imagem
muito granulada, como em Beleza Americana ele não tinha
medo de encher o saco do espectador com uma modelo tomando banho de rosas
ou um clímax filmado em vídeo com um saco plástico
ao vento.
Todos os méritos
concedidos, é impossível negar que o cinema de Sam Mendes
vai sempre aquém do resultado esperado por aqueles que se deixam
admirar pelos poucos momentos de verdadeira beleza de seus filmes. Se
em Beleza Americana o filme-painel cedia lugar à beleza
visual, era para utilizá-la fetichisticamente em detrimento de
uma caracterização pueril dos personagens (ser um reacioário
amante de armas é ser nazista e viado recalcado, ou pior, ser um
adolescente traficante é automaticamente ter problemas mentais
ou psicológicos). Em Estrada Para Perdição,
se a elegância povoa o relato, não é para melhor entrarmos
em contato com aquele mundo, e sim para emoldurá-lo numa armação
bastante longínqua e podermos ficar maravilhados com a técnica
impecável e virtuosa do diretor.
Quem abre os olhos
e está dentro do filme inicialmente se acha dentro de um Coppola
(a série Poderoso Chefão vem à cabeça
diversas vezes) ou sobretudo de Sergio Leone em Era uma Vez na América
(uma cena no quintal de um casarão evoca o memorável final
do filme). Mas pouco a pouco a ficha cai. A elegância vai a cada
minuto se revelando distanciada do mundo que está sendo narrado,
e todas as relações humanas em que o filme pretende mergulhar
(nomeadamente a devoção que o personagem de Tom Hanks devota
a seu chefe, interpretado por Paul Newman, ou a relação
pai-filho dos protagonistas do filme, melhor definida mas muito aquém
do que seria desejável). Se Coppola e Leone colocavam os mafiosos
numa moldura de elegância formal e plástica irretocável,
era antes para que o espectador se deleitasse com a beleza do filme e
mergulhasse de cabeça na vida daquela comunidade. Com Sam Mendes
ocorre o oposto: sua beleza fria nos ajuda a simplesmente surfar pelas
belas imagens do filme sem jamais conseguirmos tocar a realidade fluida
da água que passa por baixo de nós. Cinema de fruição,
pois. Fruição não daquela "baixa", intolerável
para o highbro que se recusa a ver "lixo cultural", mas
a fruição específica do highbro educado, que
suporta até um Hans Donner que lhe pareça como Matisse.
Há em Estrada
Para a Perdição um personagem com quem o cineasta se
identifica. É o interpretado por Jude Law, um assassino de aluguel
que também é esteta, e realiza maravilhosas fotografias
das mortes que acaba de realizar, vendendo-as mais tarde para os jornais
sensacionalistas. Sam Mendes realiza essa operação clínica
diversas vezes, e goza loucamente a cada cena de assassinato, sempre a
mais "bela" possível. Só que o filme jamais se
admite como o exploit movie que é. Ao contrário,
faz a história sair da boca de um menino, um menino que teve que
apreender uma triste verdade do mundo ("meu pai é um assassino")
para descobrir o que é viver. Temática que bem poderia ser
aprofundada por alguém como Jim Jarmusch, mas que em mãos
menos interessadas não passam de um arremedo de ficção
emoldurada por um artesão cuidadoso. Mas a moldura não faz
o quadro, e Sam Mendes mostra que tem muito mais a ver com Darren Aronofsky
e David Fincher do que com as possíveis influências Coppola/Leone.
Cada um com o seu.
Ruy Gardnier
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