Cavalgada
Com o Diabo,
de Ang Lee
Ride With The Devil,
EUA, 1999
Há algo de impressionante
na incessante curiosidade de Ang Lee em investigar tudo aquilo que há
da mais peculiar em países que não são o seu próprio.
Independente do que se possa pensar estética ou eticamente de seus
filmes fora de Taiwan, o que não se pode nunca negar é sua
coragem. Seja em explorar a fleuma extremamente britânica de Razão
e Sensibilidade, seja em explorar o imaginário americano dos
anos 70 em Tempestade de Gelo. E neste seu penúltimo filme
(já que o último, O Tigre e o Dragão o leva
de volta à China), ele ousa tentar jogar luz sobre uma guerra absolutamente
americana, a Guerra da Secessão, a Guerra Civil norte americana.
E, mais uma vez, ele demonstra uma curiosidade de olhar que só
mesmo o estrangeiro pode ter.
O filme parte de um pressuposto
absolutamente inesperado: o espectador deverá se projetar não
na imagem dos tradicionais bonzinhos da História, ou seja, os ianques
do norte, mas sim nos mais violentos e radicais sulistas (e, portanto,
escravocratas), os Bushwhackers. Logo no início, famílias
sulistas são dizimadas com violência pelos ianques. Com isso,
Lee tenta argumentar que na guerra não há mocinhos e bandidos,
há apenas um monte de pessoas se matando. E usa de um artifício
altamente interessante para explicitar isso, quando os sulistas interceptam
o correio dos ianques e começam a ler suas cartas, e se identificam
naquelas missivas familiares. A partir dali, lêem as cartas de outras
mães e famílias assustadas, como se fossem as suas próprias,
uma belíssima metáfora do caráter antipessoal do
soldado na guerra. Ao longo do filme, Lee desliza apenas ao vilanizar
excessivamente alguns personagens do próprio grupo dos protagonistas,
mas no final se redime ao recusar a catarse simplista do duelo mortal.
Na verdade estão todos apenas muito, muito cansados de lutar.
Há na discussão
entre sulistas e ianques um interessante contraponto atual que Lee não
se nega a explorar. A partir deste, os ianques seriam as nações
dominantes no atual processo de globalização, impondo suas
crenças às dos outros, enquanto os sulistas representam
as culturas locais, as tradições regionais, que não
tentam se impor, apenas lutam para existir. O fato do globalizador estar
defendendo a abolição e o local estar lutando pela escravidão
apenas complica todo o processo, adicionando complexidade a este, já
que as simpatias do público se voltam aos sulistas.
Há no filme uma boa
porção de batalhas campais absolutamente sangrentas, mas
há da mesma forma um lado pessoal de confusão e lealdades
distorcidas (como o escravo que luta junto ao seu patrão sulista).
O resultado final é um retrato bastante contundente e preciso de
um tempo e um local absolutamente confusos, onde descobrir quem era inimigo
e quem era aliado talvez fosse a mais difícil das missões.
Eduardo Valente
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