Uma
Relação Pornográfica,
de Frédéric Fonteyne
Une Liaison Pornographique,
França/Bélgica, 1999
O filme se passa em Paris. Seus protagonistas
são um homem e uma mulher, sem nome, apenas identificados (nos
créditos finais) como Ele e Ela. Sua relação começa
pelo sexo, mas vai se intensificando e tomando caminhos diferentes a medida
em que passam mais tempo juntos. Eles falam o tempo inteiro, e não
saem de cena um minuto. Pois bem, alguém percebe em quantas armadilhas
um diretor pode se manter ao tentar estruturar assim o seu filme? Quantos
vezes este filme já foi feito, já foi visto, com pequenas
variações? Quantas vezes mais ele pode ser feito? Claro,
argumentarão, o sexo e as relações amorosas são
parte integrante da vida de todos, assunto comum a todos (bem, quase...)
os mortais, o que justifica quantos filmes houverem. Perfeito, perfeito.
Mas cinema (e arte) não "é" vida, mas sim se relaciona
com ela, a representa. Portanto, para ser valiosa, precisa buscar novas
formas e novos ângulos para falar das mesmas coisas (afinal as questões
básicas humanas já estão aí há séculos...),
ou no mínimo reconhecer que se refere a tudo que veio antes.
Infelizmente, embora com inúmeras
boas idéias e algumas boas cenas, o filme de Fonteyne não
foge da armadilha satisfatoriamente. Pelo contrário, num certo
momento torna-se simplesmente enfadonho pelo tanto que repete de filmes
anteriores. E usa ainda alguns artifícios dos mais preguiçosos
e óbvios, como a inacreditável opção por estruturar
sua condução narrativa em entrevistas com os dois envolvidos.
Além da pergunta mais óbvia (quem entrevistaria estas pessoas,
e porque???), que pode até ser chamada de "pequena",
fica claro acima de tudo que trata-se de uma ferramenta completamente
desinteressante de tão fácil, usada para conseguir fazer
o filme ser narrado com dois olhares diferentes. Porque não construir
estes pontos de vista diferentes de uma forma mais sutil, pelo menos coçar
um pouco o cérebro em busca de uma solução mais ousada
na linguagem? É o tipo de detalhe que compromete, sem dúvida,
o filme como um todo. Da mesma forma, o uso do cinemascope como formato
nunca se justifica, e o filme perde muito com o excesso de espaço
que não chega a ser usado como uma força opressiva nem libertadora.
O maior exemplo da insensibilidade do diretor
à forma do seu filme é o modo como ele consegue deixar passar
uma cena que quase redime o filme todo pela sua força e autenticidade:
a solução do relacionamento, que indica o quanto o ser humano
está disposto a não concretizar as coisas, mesmo que tenha
mil razões para fazê-lo, precisando de apenas uma (e fraca)
para desistir. Ali o filme ganha uma nova dimensão, especialmente
pela inteligente encenação, e poderia até mesmo justificar
toda sua narrativa anterior pelo fato de ser uma preparação
para este final. Nós pensamos: será que o enfadonho foi
usado com consciência para não nos prepararmos para esta
porrada final? Mas, a sensação é efêmera, pois
nem para terminar o filme o diretor consegue perceber o momento exato,
a força da imagem e a importância dos silêncios, e
voltamos à falação, voltamos às entrevistas,
voltamos à obviedade.
Uma pena, porque os atores são excepcionais
(Sergi Lopez tem momentos de reação absolutamente estupendos),
há uma linha de interpretação intrigante (como uma
"perversão" sexual pode suprir todo tipo de desconhecimento
entre as pessoas, como se servisse de elo espiritual pelo físico),
há inclusive talento na composição das cenas, como
fica claro na sequência no metrô, no restaurante, na cena
do velho no hospital. Mas, falta auto-crítica, falta acima de tudo
perceber o quanto estes bons pressupostos pedem um trabalho ainda maior
de composição narrativa, de sentidos, e de elaboração
enunciativa.
Eduardo Valente
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